- Folha de S. Paulo
Limite de gastos precisa de reforma profunda, mas governismo tenta avacalhar
As feias necessidades politizaram de modo imediato e ruim a discussão do teto de gastos: a necessidade da pobreza ora atenuada pelos auxílios emergenciais e a necessidade eleitoreira de Jair Bolsonaro.
Não haverá Renda Brasil sem um talho fundo em outras despesas sociais ou implosão do teto; não haverá nem breve temporada de investimentos “em obras” sem gambiarra para burlar o limite de gastos.
Essa tensão, como é óbvio, resultou na tentativa de neutralizar ou fritar Paulo Guedes a fim de dar um jeitinho no teto. Em decorrência, surgiu uma campanha reativa de defesa do teto que é muito razoável até certo limite, que é o de impedir uma avacalhação politiqueira do limite constitucional de gastos federais. Daí em diante, o movimento pende para a sacralização do que é apenas uma regra pragmática.
No caso de Bolsonaro e de seus novos amigos, a politização vulgar é bem evidente. Guedes apenas não foi chutado para escanteio ou para fora do estádio porque até este governo parece perceber que derrubar o teto de modo muito descarado seria contraproducente. Ou seja, teria efeitos econômicos negativos imediatos.
Mas Bolsonaro e seus aliados continuam com um problema eleitoral. O teto continua com seus problemas congênitos —mais dia, menos dia, será inviável econômica, social e politicamente. Logo, é preciso impedir a avacalhação do limite de gastos e ao mesmo tempo pensar em como reformá-lo.
Tal reforma, no entanto, exigiria um governo com um programa sério, profundo, e capacidade de negociar acordos amplos. Seria necessária uma política em que tal negociação fosse possível, mas o debate político está entre a paralisia e a imundície avacalhada.
Para o bem ou para o mal, o teto fazia efeitos em câmera lenta. A ruína de estradas, hospitais e pesquisa progrediria de modo gradual, afora algum desabamento. O corte do auxílio emergencial pode ser explosivo, porém.
Bolsonaro terá seu Renda Brasil apenas se der cabo do abono salarial, benefício anual de até meio salário mínimo para uns 23 milhões de trabalhadores, se der cabo do seguro-desemprego sazonal para pescadores e se cancelar algumas concessões tributárias. Difícil.
Haverá obras extras em quantidade perceptível, mas muito insuficiente, apenas se a manobra fura-teto tiver sucesso, o que provocará efeitos colaterais negativos.
Em si mesmo, o teto é inviável, como se sabia desde 2016. Mesmo que se reajuste o salário mínimo apenas pela inflação, que os servidores não tenham nem correção da inflação, que venham cortes de salários, não haverá dinheiro para aumentar investimentos. O funcionamento do governo (verba de saúde, pesquisa, universidade etc.) estará comprometido, para dizer o mínimo.
Economistas como Fabio Giambiagi, Guilherme Tinoco ou Bráulio Borges, para citar apenas alguns, têm feito sugestões sérias de mudança. Derrubar o teto, sem mais, é suicídio; sacralizá-lo é erro, tentativa de abafar uma discussão inevitável ou um modo de não explicitar um projeto puro e simples de redução do tamanho do Estado.
Difícil imaginar mudança que não combine limite de despesas com servidores, grande aumento de eficiência, contenção de reajustes do mínimo e da Previdência, gasto adicional em renda mínima, aumento e redistribuição de carga tributária, mais dinheiro para investimento público e alguma regra nova de teto.
Nota-se, pois, o tamanho da revolução que seria uma mudança séria. A reviravolta dessas entranhas é necessária, no entanto.
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