– 1963 o ano da democracia, comido por 1964 – o ano da ditadura – Uma palavra sobre o Governo Arraes.
O ano de 1963 foi de intensa movimentação
política. Logo em janeiro foi o plebiscito que devolveu a João Goulart os
poderes do regime presidencialista, anulando, portanto acordo anterior imposto
pelos militares como condição para que Jango assumisse. Em Pernambuco, Arraes
tomou posse no Governo do Estado, depois de ganhar a eleição para o
representante dos usineiros João Cleofas de Oliveira, perdedor pela terceira
vez, tendo, por isso ficado conhecido como “João três quedas”.
O Governo de Arraes, em Pernambuco, foi uma
grande dor de cabeça para os militares golpistas, usineiros (a casta
pernambucana) e correntes da extrema direita que viam em tudo o fantasma do
comunismo e a presença nefasta do assim chamado “Ouro de Moscou”. Com relação a
esta descabida propaganda da direita, alguém do PCB fez um sambinha irônico:
Lá no xilindró
Seu delegado diz
“É ouro de Moscou”.
Eu não conheço
Este tal de “seu Moscou”
Mas pelo jeito
Qui tô vendo
Deve sê trabaiadô
E de valô...
Governando um Estado do Nordeste com uma
longa história de pobreza, subnutrição na cidade e no campo, analfabetismo,
muitos conflitos de terra, poderosos e atuantes núcleos das Ligas Camponesas
lideradas pelo lendário Francisco Julião, Arraes se limitou, durante o pouco
tempo que durou este seu governo, a cumprir a Constituição do país e do Estado
que governava. Nunca se afastou dela, uma vírgula, sequer. Por isso mesmo foi
tão odiado. Foi a primeira vez que os usineiros sentiram o peso da lei e foram
obrigados a pagar o salário mínimo a seus trabalhadores, coisa que antes, só
existia no papel. Acharam, então que a lei era ruim quando não estava a favor
deles.
Certa vez, em um litígio em um engenho em
Vitória de Santo Antão, os camponeses invadiram a terra. A Justiça havia dado
ganho de causa ao proprietário, pois se tratava de terra produtiva e que, além
disso, gerava emprego para outros tantos trabalhadores. Mas os camponeses se
recusavam a sair. Arraes foi lá. Ele, o governador. Tinha a responsabilidade de
impedir que o caso viesse a se transformar num estopim que poderia ser usado
para desestabilizar seu governo. Conversou. Parlamentou. Costurou. Ao final, os
camponeses saíram e sem violência abandonaram o local. E, em nenhum momento
foram agredidos pela polícia.
Sempre estivemos nós, do PCB,
intrinsecamente envolvidos no Governo Arraes pré-64. Pela sua opção, pela
prática político-administrativa, Arraes, sempre e mais voltado para a área
social, representava, em muito, a concretização de nossos ideais.
Um grupo relativamente grande e ativo do
Diretório Municipal de Recife, do velho PCB, – inclusive eu – se envolveu na
briga para tocar o barco, empenhando o melhor que existia em nossas almas
idealistas e em nossas forças, nosso discernimento político e prático. Ninguém
tinha preguiça. No comando do então Serviço Social Contra o Mocambo, membros do
Diretório do PCB, lá estavam, por assim dizer, trabalhando de sol a sol: Dra.
Naide Regueira Teodosio, Miguel Batista, Nelson Rosas, Americo de Araujo
Pinheiro – pai do hoje membro do Diretório Estadual/PPS/RJ, Rosemberg Araújo
Pinheiro –, Graziela de Moura Cavalcanti Melo, Mario Valentim do Nascimento –
filho do já falecido membro do Diretório Nacional, Amaro Valentim do
Nascimento.
Além disso, também nos envolvemos no
Movimento de Cultura Popular (MCP), capitaneado por Paulo Freire que inventou e
produziu revolucionário método de alfabetização para adultos e crianças. O
método tinha a vantagem de alfabetizar, dando, concomitantemente, consciência
política e social, tanto ao cidadão adulto como à criança.
Frases como estas: “O voto é do povo” e “O
povo vota”, apareciam em todas as cartilhas, adaptadas ao ano escolar.
Inventamos grupos de poesia, acompanhados pela orquestra do maestro Geraldo
Menutti, subíamos morros, charcos e alagados. Saudades do grupo formado por
Moema Cavalcante, Magnólia Cavalcanti – ambas filhas do escritor Paulo
Cavalcanti –, Rivadavia Correia, Liana Aureliano, Zanita, Joacir de Castro,
David Hulack, Marcelo Melo, Oswaldo Coelho e muitos outros.
E aí veio 1964. E veio assim: o verão
findara deixando uma grande saudade nos recifenses. Com as águas de março, o
Capibaribe perdera seu tom escuro esverdeado e se tornara barrento, enfezado,
correndo sem parar, até encontrar o Beberibe, lá perto do cais do porto. O rio
é assim. Ele nunca se cansa de buscar o mar. Ele corre, corre, corre. Em Recife,
ele confunde as pessoas. Se mete pelas ruas e quando você pensa que passou por
ele, lá está ele na sua frente. Esconde-se pelas esquinas. Finge que não te vê.
Depois te enrola, te cerca de água por todos os lados.
Passei a manhã em casa. Gilvan não veio
almoçar como era de costume e à tarde saí com a intenção de trabalhar. A cidade
estava inquieta e corriam muitos boatos. Na redação do jornal, muita gente
entrando e saindo e havia os que se dispunham a não voltar para casa temendo
serem presos. À noite numa grande assembléia no Sindicato dos Bancários o clima
era de muita tensão. Notícias que até então eram contraditórias, dia seguinte
se concretizaram. O golpe estava na rua.
*Crônicas, contos e poemas, p. 50 – Abaré Editorial
/ Fundação Astrojildo Pereira, 2008.
Um comentário:
Já não há pessoas assim idealistas .hoje é tudo pelo dinheiro. Políticos que só querem ficar ricos a custa do erário
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