O Globo
É preciso julgar e condenar, ou absolver,
os crimes cometidos por Jair Bolsonaro em seus quatro anos de mandato
O cidadão Jair Messias Bolsonaro deve pagar
por todos os crimes cometidos pelo presidente Bolsonaro nos seus quatro anos de
mandato. Não são poucos, não são banais. Deixar o futuro ex-presidente impune
seria um insulto à Nação e um risco enorme à democracia mais adiante, dada a
sua capacidade de aglutinação política. Somente listados pela CPI da Covid, são
nove os crimes a ele imputados. No total, somam mais de 40. Nenhum deles
avançou graças ao procurador-geral Augusto Aras, o mais importante engavetador
de processos contra presidentes desde Geraldo Brindeiro. O deputado Arthur Lira
também colaborou, sentando sobre 95 pedidos de impeachment originais, sete
aditamentos e 47 pedidos duplicados.
O presidente cometeu crimes contra a existência da União, contra o livre exercício dos Poderes, contra o exercício dos direitos políticos individuais e sociais, contra a segurança interna, contra a probidade administrativa, contra a guarda e legal emprego de dinheiro público e contra o cumprimento de decisões judiciais. Dentre todos estes, os mais graves foram as ameaças feitas contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, e o apoio e a participação em manifestações antidemocráticas. Ao longo do seu turbulento mandato, Bolsonaro governou de forma arbitrária, usando as forças do Estado em benefício próprio, ultrapassando impunemente todos os limites legais.
As denúncias que foram apresentadas contra
ele não prosperavam em razão de motivação pessoal, no caso de Aras, que queria
e foi reconduzido ao cargo, ou de motivação política, no caso de Lira, que
obteve o maior cheque já dado a um homem público, os R$ 19 bi do orçamento
secreto. Havia também, e é tão inegável como necessário dizer, um certo medo de
que uma condenação de Bolsonaro ou o encaminhamento de um pedido de impeachment
pudessem causar turbulência militar. Medo razoável que volta agora a ser citado
quando se refere ao Bolsonaro sem foro privilegiado.
Os militares não assustam mais. Os
bolsonaristas Braga, Heleno, Paulo Sérgio e Ramos voltarão para casa e serão
esquecidos. Para os demais, a vida segue sob o comando de Lula. O medo com que
se quer agora impedir a punição de Bolsonaro é a incitação das massas que ele
poderia promover. Pode ser que alguns saiam às ruas para protestar contra
eventual punição, mas se não bloquearem ruas e estradas, estarão dentro da lei.
Mesmo que causem barulho, mesmo assim é preciso julgar e condenar, ou absolver,
os crimes cometidos por Bolsonaro.
No caso da Covid, a CPI do Senado apontou
os seguintes crimes cometidos por Bolsonaro: prevaricação; charlatanismo;
epidemia com resultado morte; infração de medidas sanitárias; emprego irregular
de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares;
crime contra a humanidade e crimes de responsabilidade por violação de direito
social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo.
Nos outros casos, o presidente é acusado de
cometer crimes contra o livre exercício dos Poderes por ameaças feitas contra
os Poderes Judiciário e Legislativo; por ameaçar e constranger juiz; por
interferir na Polícia Federal; por usar autoridade a ele subordinada para
praticar abuso de poder (troca no comando das Forças Armadas); por incitar
militares à desobediência; por infração à ordem pública (atos contra medidas de
isolamento); por hostilidade contra nação estrangeira; por xenofobia (contra
médicos cubanos), homofobia, misoginia e racismo; por proceder de modo
incompatível com o decoro; por desobedecer decisão judicial (plano de proteção
indígena); por fake news.
E há também, não vamos esquecer, os crimes
eleitorais recentemente cometidos, começando pelos pacotes demagógicos que
turbinaram sua candidatura já na partida. Bolsonaro cometeu abuso de poder
político e econômico; se serviu do descarado apoio e constrangimento religioso
produzido por pastores evangélicos contra fiéis; foi beneficiário das centenas
de casos de assédio patronal-eleitoral de empresários criminosos Brasil afora;
valeu-se como nunca antes visto das fake news; e usou a Polícia Rodoviária
Federal para na última hora impedir eleitores nordestinos de votar.
Não se pode perdoar um criminoso desta
magnitude. Não estamos saindo de uma ditadura, ao contrário, por pouco não
entramos numa. Não cabe, portanto, anistia. Anistia, não. Bolsonaro tem que
pagar pelos seus crimes.
Os votos de Bolsonaro
A cédula 22 teve 58,3 milhões de votos no
domingo passado. Jair Bolsonaro deve ter obtido uns 15% ou até 20% disso, o que
significa alguma coisa entre 8 e 12 milhões de eleitores. Não, isso não está
escrito em lugar nenhum. É apenas uma percepção, porque nem eu nem você
acreditamos que quase a metade dos brasileiros que foram às urnas são
extremistas, querem uma intervenção militar com tanques nas ruas, exigem a
prisão de Alexandre de Moraes, o fechamento do Supremo e a manutenção do
presidente derrotado no poder pela força. Claro que não. Mesmo entre os
legítimos bolsonaristas de extrema-direita, poucos são ideológicos, sabem o que
ditadura significa e do que ela é capaz. A maioria é formada apenas por tolos
(como aqueles que bloquearam estradas e se manifestaram diante de quartéis),
que seguem essas lideranças podres acreditando sinceramente que a vida pode
melhorar debaixo de uma bota. Pensam que sabem o que pensam. Não sabem.
Os votos de Bolsonaro 2
Um exemplo recente de quem saiu das urnas
com mais de 51 milhões de votos e hoje quase nem consegue se eleger deputado
mostra como são voláteis os eleitores brasileiros. Aécio Neves foi derrotado
por Dilma Rousseff por pouco mais de três pontos em 2014. Três anos e ele já
havia perdido totalmente a sua relevância política em razão dos erros que cometeu.
Primeiro, ao não aceitar a derrota e, depois, ao ser gravado pedindo R$ 2
milhões a Joesley Batista. Acabou virando bolsonarista. Desmilinguiu-se.
Bolsonaro, por sua vez, não aceitou a derrota para Lula e em breve saberemos
muito mais sobre os segredos e sigilos de seus quatro anos de mandato, dos seus
zerinhos e de toda a sua turma.
Vigiar, não ouvir
Depois do vergonhoso discurso que fez, sem
reconhecer a derrota, sem parabenizar o adversário vitorioso, sem desarmar os
ânimos golpistas da sua tropa, desrespeitoso, covarde e minúsculo, Bolsonaro
deveria ser ignorado. Vigiado, sim. Ouvido, não. É importante que cada um dos
seus passos seja escrutinado, que suas decisões, mesmo as mais corriqueiras,
sejam fiscalizadas até que ele saia pela porta dos fundos no dia 1º de janeiro.
Mas, sem lhe dar vez, sem difundir sua palavra, de resto grosseira e muitas
vezes escatológica.
Um dia depois do outro
Entre as muitas delícias produzidas pela
derrota de Jair Bolsonaro e de seu projeto autoritário, o vazamento da sua
irritação com Roberto Jefferson e Carla Zambelli foi a melhor. O presidente
culpou os dois pela sua derrota. Os maiores aloprados da base bolsonarista, as
duas criaturas que mais se parecem com o criador, os soberbos bajuladores
acabaram levando a culpa pelo desfecho eleitoral. Os espetáculos que armaram
(duplo sentido), segundo o equivocado pato manco, pode ter impedido a sua
vitória.
Imagem fala
A fotografia da fala minúscula de Bolsonaro
no Alvorada é reveladora. Fora os óbvios generais palacianos e o chefe da Casa
Civil, Ciro Nogueira, os outros que cercavam o presidente derrotado eram
praticamente todos desconhecidos, caras novas de um Ministério fraquíssimo já
antes da eleição. Houve um destes, postado logo atrás do orador, que de tanto
fazer careta virou meme. Mas o mais revelador foi o semblante do Braga Netto, o
ex-candidato a vice derrotado junto com Bolsonaro. Atônito, olhar no vazio,
senho fechado, não escondia o desgosto de quem perdeu uma bocona que iria durar
quatro anos.
Imagem fala 2
Durante mais de uma hora na tarde de terça-feira,
as TVs de notícias a cabo transmitiram a imagem do púlpito onde Bolsonaro faria
o seu discurso 48 horas depois da derrota. Ao fundo, um espelho refletia os
jornalistas que aguardavam sem imaginar que presenciariam o mais pífio discurso
da História da República. Via-se também um grupo grande de assessores
palacianos que faziam… nada. Exatamente nada. Eram 15 homens e duas mulheres
conversando em rodinhas, se mexendo de lá para cá, sem fazer qualquer coisa.
Fora uma mulher de paletozinho azul, que ajudava os jornalistas a fixarem seus
microfones no pedestal, os outros compunham aquele seleto grupo de assessores
de p* nenhuma, conhecidos pelo carinhoso apelido de “aspones”.
Sentando com Lula
Essa turma do Centrão não rasga dinheiro.
Antes mesmo do domingo eleitoral terminar, Lula já havia recebido pelo menos
meia dúzia de telefonemas de próceres da aglomeração suprapartidária que sempre
apoia quem tem a chave do cofre. Na segunda, os contatos se multiplicaram e
depois do discurso minúsculo de Bolsonaro, na terça-feira, a avalanche começou.
Uma semana
Em uma semana, Lula já governou mais e fez
mais política do que Bolsonaro em quatro anos.
Generais
Nenhum dos generais que contribuíram para
fomentar o espírito golpista de Bolsonaro, que apoiaram seus ataques às urnas,
que fingiram não ver suas ameaças à democracia e às instituições, poderá na
reserva descansar com a dignidade de um Leônidas Pires Gonçalves, que por anos
caminhou no calçadão do Leblon com a cabeça erguida de um democrata. Avalista
do primeiro governo civil depois da ditadura, Leônidas deu exemplo para a
caserna. Exemplo que alguns generais bolsonaristas não entenderam.
Xandão, o Grande
O Brasil deveria agradecer fortemente ao
ministro Alexandre de Moraes por seguir sendo uma nação democrática. Uma
estátua sua deveria ser erigida em cada uma das capitais brasileiras. Mesmo que
isso não ocorra agora, no futuro ocorrerá. A História não esquecerá.
Pazuello
O general da reserva Eduardo Pazuello foi eleito deputado federal, e não senador como dito aqui equivocadamente na semana passada. Ele terá um mandato de apenas quatro anos e não de oito, para a sorte do Rio.
3 comentários:
Há militares e "militares"... Os bolsonaristas são muito mais MILICIANOS, por escolha própria, embora alguns até tenham feitos boas carreiras anteriormente na tropa. Mas, ao escolherem ser vassalos ou capachos do capitão das rachadinhas. como Pazuello, Paulo Sérgio, Braga Neto, Heleno e outros, se igualaram ao canalha antidemocrata que foi derrotado por Lula.
Sim, são muitos crimes! Cabe à Justiça instalar os processos necessários e julgá-los... Com bons advogados, o canalha poderá se livrar de alguns, mas certamente será condenado em outros! Quando Bolsonaro passar a primeira noite na cadeia, o Brasil estará mais justo e democrático!
Não sabia da zanga de Bolsonaro com as estripulias de Jefferson e Zambelli,rs.
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