O Estado de S. Paulo
O desespero e a vontade de perturbar estão
presentes e devem ser contados como um fator duradouro nos próximos quatro
anos
O momento pós-eleitoral de agora é o mais
agitado do período de redemocratização. Estradas bloqueadas, multidões diante
dos quartéis, cenas de regozijo com a falsa notícia da prisão de Alexandre de
Moraes, preces aos militares e até aos alienígenas, com quem tentam se
comunicar com a lanterna dos celulares. Neste contexto coloca-se a difícil
tarefa do novo governo: pagar suas dívidas de campanha com os mais pobres e
reconciliar o País.
Para atender aos mais pobres, o primeiro
problema é dinheiro. No Orçamento que o governo Bolsonaro apresentou não estava
previsto o Auxílio Brasil de R$ 600, mas só de R$ 405. Além disso, faltam recursos
para o Farmácia Popular, a merenda escolar, o aumento do salário mínimo. A
saída é estourar o teto de gastos, já muitas vezes furado pela gestão
Bolsonaro.
Uma forma suave de conseguir esses
objetivos seria não apenas criticar o teto de gastos, mas transitar
gradualmente para uma nova âncora fiscal.
De modo geral, a simples e justa crítica ao teto de gastos aparece como se não se admitisse nenhum tipo de âncora fiscal, como se fosse possível viver num mundo de gastos ilimitados.
Algumas novas referências para limitar os
gastos, como índice de crescimento e evolução da dívida, já estão sendo
colocadas na mesa.
Qual a vantagem de atender aos pobres e,
simultaneamente, não criar confrontos verbais com o chamado mercado?
Teoricamente, não haveria problema em
criticar ou, mesmo, desprezar o mercado sob o argumento de que é um espaço em
que se pensa apenas no interesse dos mais ricos. Mas isso é apenas uma bravata.
O trânsito mais suave para uma nova âncora
fiscal, sem trair as promessas de campanha, seria melhor, diante da conjuntura
política ainda conturbada pela extrema direita.
A tarefa de reconciliação nacional não é
fácil. Estivemos diante de manifestações de massas que devem declinar, por
algumas razões. Uma delas é o fato de não alcançarem seu objetivo, que é anular
as eleições. A outra é de ordem conjuntural: dificilmente algum movimento dessa
natureza sobrevive ao impacto de uma Copa do Mundo seguida de festas natalinas.
Depois do AI-5, o ato que reforçou a ditadura, em 13 de dezembro de 1968,
fizemos inúmeras tentativas de protesto, todas dissipadas pelo espírito
natalino.
O que às vezes acontece quando
manifestações de massa refluem é o surgimento de pequenos grupos radicais. Isso
já pode ser observado em alguns pontos de Mato Grosso e de Santa Catarina. Em
Lucas do Rio Verde (MT), a instalação de uma concessionária da estrada foi
incendiada. Imagens de caminhões ardendo em fogo foram vistas na região de
Sorriso (MT). Ataques armados e sequestro de caminhoneiros foram registrados em
Santa Catarina. Enfim, o declínio das manifestações, como em outros momentos da
História, abre espaço para os grupos de vanguarda que tentam manter acesa a
chama do protesto.
Ao analisar friamente essa situação, creio
que a tática correta é isolar os grupos armados e evitar que novas
manifestações brotem nas ruas. Qualquer movimento futuro que abale a economia
artificialmente, provocando queda da Bolsa e alta do dólar, não provoca
diretamente, mas estimula a rebelião.
No curto prazo, há outra tática importante,
não muito utilizada: a de respeitar os derrotados, argumentar pacientemente com
eles e, quando isso for impossível, optar pelo silêncio.
Não tenho a pretensão de dizer como as
pessoas reagem, mesmo porque elas exercem uma exuberante liberdade. Mas frases
do tipo “perdeu, Mané” contribuem para o ressentimento e aprofundam o abismo
entre duas visões de Brasil.
Se observamos o candidato derrotado, vemos
que há um silêncio na superfície, mas movimentos na penumbra. Interessa a
Bolsonaro manter a inquietação de seus eleitores. Seu vice, Braga Netto, andou
pronunciando frases enigmáticas, dando a entender aos manifestantes que
deveriam persistir, pois algo importante estava por acontecer.
Valdemar Costa Neto, presidente do PL,
conseguiu uma auditoria para questionar as urnas eletrônicas e tentar com isso
botar lenha na fogueira. E um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU),
Augusto Nardes, aparece num áudio vazado dizendo que há grande inquietação nos
quartéis, sugerindo também que um golpe militar está a caminho.
A análise do natural fluxo e refluxo do
movimento de massas indica a queda progressiva das manifestações de rua. Mas o
desespero e a vontade de perturbar estão presentes e devem ser contados como um
fator duradouro nos próximos quatro anos.
Num quadro tão difícil, o ideal seria que o
novo poder levasse em conta suas palavras e, se possível, evitasse improvisos,
usando ao máximo a leitura de textos curtos. Embora seja uma experiência
diferente, vale a pena observar como Bolsonaro encantou seus radicais, dizendo
sempre coisas que os animavam, independentemente de avaliação cuidadosa da
conjuntura. Resultado: é o primeiro presidente que não se reelegeu, na história
da redemocratização.
Na internet, há uma piada recorrente com diferentes situações e um só texto: recorra aos profissionais. A política brasileira tem alguns profissionais, no bom sentido, e a missão que se abre depende muito deles.
2 comentários:
Vontade de perturbar do Paulo Guedes: Obrigar todos os usuários do 'e-Social' a mudarem suas senhas até o dia 11.12.22. Só pra ele sumir com dados desde 2015?
''Optar pelo silêncio'',não entendi,e ''Perdeu,Mané'' não é ofensa nenhuma,chega ser engraçado,na minha opinião.
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