Folha de S. Paulo
A
vitória sobre a desinformação não se dará com a limitação dos discursos
A
primeira semana pós-eleição já ilustra o quão anti-democrático
é o bolsonarismo. Vimos caminhoneiros bolsonaristas fechando estradas por
todo o país, colocando em risco o abastecimento de comida, de insumos médicos e
o trabalho de milhões de pessoas; milhares de manifestantes
pedindo golpe militar abertamente em diversas cidades, protestando na
frente de quartéis; vimos o surgimento de fake news em massa acusando nossas
eleições de fraude.
Neste momento, hordas bolsonaristas aguardam ansiosas mais um suposto relatório do Exército que será publicado nos próximos dias e que confirmará a fraude. Recebo também por várias fontes a notícia quentíssima de que Lula teve um AVC e está à hora da morte. Além disso, a nova onda de Covid seria falsa, uma mentira do "establishment" para tirar os manifestantes patriotas da rua.
Em
algumas cidades bolsonaristas, são feitas listas negras de empresas e pessoas
que votaram no PT. Algumas mensagens até sugerem que as casas dos eleitores de
Lula sejam
marcadas com uma estrela vermelha. Agressões e assassinatos por
discordâncias políticas também tomaram as manchetes nos últimos dias.
Isso
é o resultado de uma dieta informacional de anos a base de WhatsApp e
influenciadores alinhados ao governo. A arruaça que vemos nestes dias —e que
pode se prolongar e até piorar nos próximos meses— foi longamente construída.
Apesar do ataque, tudo indica que os desejos golpistas fracassarão.
Não
sabemos o que aconteceria se Bolsonaro tivesse mais quatro anos de governo.
Esse contingente de fanáticos estaria maior e o principal obstáculo que o
presidente enfrentou nesses quatro anos teria sido subjugado. Estou falando, é
claro, do Judiciário, e mais especificamente, do Supremo e TSE.
Incitação
à violência contra pessoas e instituições veiculada a milhões de seguidores;
ameaças diretas também feitas para as multidões das redes; formação de milícias
armadas; incentivo ao armamento civil como forma de resistir à autoridades
"ditatoriais"; milícias digitais; aparelhamento da Polícia Federal.
Quem foi que, assim que começaram os bloqueios das rodovias com a anuência
tácita do presidente e corpo mole da PRF, ordenou o desbloqueio imediato?
Agradeçamos, portanto, a Alexandre
de Moraes.
Passado
o momento crítico das eleições, em que barrar fake news e comportamentos
desonestos tem o objetivo de curto prazo de impedir a manipulação do
eleitorado, voltamos ao tempo normal. E neste momento em que o risco passou,
nossas cortes supremas têm que entender que a vitória sobre a desinformação e o
golpismo não se dará com a
limitação dos discursos. No debate público, cresce a percepção de que
pessoas estão sendo censuradas por fazer questionamentos honestos.
Na
sociedade atual, em que todos têm voz, a liberdade de expressão é
incontornável. Se não quisermos um controle verdadeiramente chinês sobre a
internet —e não queremos—, a estratégia para combater a desinformação terá que
apostar na informação e na transparência.
A formação de um exército de alienados agressivos que hoje demandam um golpe militar não se deu do dia para a noite. E é nesse jogo de comunicação e formação de vínculos de confiança que os democratas terão de lutar. Está se iludindo quem acha que basta o Supremo agir. É no campo do debate público radicalmente democrático que teremos que vencer esta guerra.
2 comentários:
Parabéns pela coluna, muito coerente!
Joel Pinheiro,muito bom.
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