segunda-feira, 27 de maio de 2024

Demétrio Magnoli -Três objetivos decorativos

O Globo

Ninguém escutou do vice uma única palavra de contestação à flexibilização do arcabouço fiscal

Lula bateu Bolsonaro por margem mínima. O triunfo deveu-se às alianças com o centro democrático firmadas no início da corrida eleitoral (Geraldo Alckmin) e depois do primeiro turno (Simone Tebet e Marina Silva). As três lideranças ingressaram no governo carregando as expectativas do eleitorado que decidiu a disputa. O tempo mostrou, contudo, que elas não passam de objetos decorativos.

Marina figura como outdoor da vertente ambiental da política externa lulista. Seu ministério só consegue realizar um programa mínimo, expresso na redução do desflorestamento na Amazônia. Adaptação às mudanças climáticas? Transição energética? No primeiro item, a ministra oferece apenas diagnósticos acadêmicos. No segundo, um equívoco conceitual paralisante.

A tragédia no Rio Grande do Sul evidencia a urgência de reformar radicalmente nossos padrões de urbanização e ocupação do solo. Inexiste plano nacional nessa direção. Pior: no orçamento federal, engessado pelas despesas obrigatórias, não cabem nem mesmo os recursos básicos de prevenção de desastres e reconstrução de infraestruturas.

O Brasil oficial exibe-se lá fora como “vanguarda da transição energética”. Fake news: o plano de transição do governo concentra investimentos nos combustíveis fósseis. Marina aposta suas fichas, exclusivamente, na expansão da geração solar e eólica, fontes intermitentes, ignorando o imperativo de incorporação da fonte nuclear. Abraçada ao tabu ideológico dos verdes, assiste à carbonização crescente da matriz energética brasileira.

Tebet anunciou seu apoio a Lula enfatizando que divergia do núcleo de ideias econômicas petistas, mas aceitou aninhar-se na gaiola dourada do Planejamento. Nos meses iniciais, agradecida, peregrinou a Canossa, adicionando sua voz à campanha petista contra um Banco Central que cumpria a missão legal de limitar a inflação ao teto da meta. Depois, engajou-se na elaboração conceitual de um dique de contenção das despesas compulsórias — até ouvir uma sonora repreensão lulista.

A ministra nutria pretensões modestas. Não ousava sugerir uma revisão dos indexadores da educação e saúde, contestar a explosão dos gastos em emendas parlamentares ou colocar um freio nas rendas nababescas do alto funcionalismo. Queria, apenas, em nome de alguma sustentabilidade fiscal, descolar as despesas previdenciárias da trajetória de forte expansão do salário mínimo. Seu plano não era contracionista, prevendo crescimento real de 1% ao ano dos benefícios previdenciários. Mesmo assim, Haddad cortou-lhe as asas antes do voo:

— Não vejo espaço nessa seara para discussão.

Qual é, exatamente, a “seara” de uma titular do Planejamento proibida de se imiscuir no planejamento orçamentário? No dia em que Tebet formular a si mesma essa pergunta inconveniente, estará concluída sua participação no governo.

Alckmin não é um ministro comum, mas vice-presidente eleito por partido coligado ao de Lula. Tem, portanto, pleno direito à voz divergente em todos os temas, da economia à política externa. Sua subserviência perene reflete uma escolha — e uma abdicação política.

Ninguém escutou do vice uma única palavra de contestação à flexibilização do arcabouço fiscal. Ele ficou calado diante das interferências do Planalto na gestão de preços da Petrobras e permaneceu mudo quando Lula demitiu Jean Paul Prates para subordinar a estatal à dilmista Magda Chambriard. É uma opção por Lula, em detrimento de seus eleitores.

Meias divertidas — de bolinhas, carrinhos ou listras coloridas — tomaram o lugar da crítica ao apoio de Lula à guerra imperial russa na Ucrânia ou ao paralelo abjeto que traçou entre a guerra de Israel em Gaza e o Holocausto. Mas, sobretudo, o vice perdeu a ocasião de se reunir com a oposição venezuelana para marcar uma nítida posição por eleições livres no país vizinho.

Quando Lula nomeou o ministro da Secom, Paulo Pimenta, como autoridade federal no Rio Grande do Sul, cabia a Alckmin apresentar seu nome, explicando que a catástrofe não é um problema de “comunicação” — ou uma oportunidade eleitoral. Ele, porém, preferiu Brasília. Sua vocação, como a de Marina e Tebet, é decorativa.

4 comentários:

Mais um amador disse...

Bom para fazer um contraponto à coluna de Celso Rocha de Barros, de ontem.

😏

Daniel disse...

"O imperativo de incorporação da fonte nuclear" no Brasil é o ATESTADO DE INCOMPETÊNCIA EM ENERGIA assinado pelo próprio colunista!

Mais um amador disse...

" Petrobras tem que acelerar exploração de petróleo. "

" O esforço exploratório dessa empresa tem que ser mantido, tem que ser acelerado. "

" Temos novas fronteiras importantes a perseguir; dentre elas, a questão do Amapá, na bacia Foz do Amazonas, temos a bacia de Pelotas. "

Magda Chambriard, nova presidente da Petrobras

( Folha )

😏😏😏

ADEMAR AMANCIO disse...

Demétrio e seus tiros demetrianos.