O Globo
Se há algo que pode nos unir para além das
divergências políticas, é a sobrevivência diante do caos climático
Preciso avisar com ligeira antecedência, mas
ela deve chegar a partir de julho. La Niña vem para derrubar momentaneamente o
domínio patriarcal de El Niño.
Ambos são filhos dos ventos alísios que
sopram com constância, mas às vezes são mais lentos ou mais rápidos. Quando são
lentos, não conseguem levar as águas quentes para o lado asiático do Oceano
Pacífico. Quando são mais rápidos, acabam esfriando a costa peruana.
Os pescadores peruanos chamam o primeiro fenômeno de El Niño porque aparece por volta do Natal. La Niña chega aqui entre julho e setembro e, às vezes, dura dois anos. Por que essa preocupação com avisar? Na verdade, é um hábito antigo.
Em 1997, o Congresso despertou para El Niño
depois das grandes chuvas em Santa Catarina e
da seca no Nordeste. Foi o primeiro grande debate sobre o tema. O relatório,
ainda disponível no site do Senado, foi um dos mais completos documentos que
temos em nosso idioma sobre o tema. A ideia era preparar o Brasil para esses
fenômenos, usar a prevenção como instrumento de defesa.
Recentemente, o senador Esperidião
Amin — assim como eu um remanescente daquela comissão — promoveu um
novo encontro sobre El Niño, este que nos dominou agora e, provavelmente,
ajudou a aumentar a intensidade das chuvas no Rio Grande do
Sul. Foram muitas as ideias. Sugeri um apoio nacional às cidades na
construção de sua defesa civil. Esperidião aceitou a sugestão de instituirmos
um prêmio para aquela que apresentasse o melhor plano de defesa e a melhor
estrutura para enfrentar essas crises climáticas.
As chuvas costumam chegar antes de nossas
providências. No passado, tomamos Blumenau como exemplo de defesa civil. Desta
vez, fiquei bem impressionado com o esforço de Santa Catarina, que mandou gente
ao Japão e criou um centro de resposta inspirado nos japoneses. Claro que não
podemos repetir mecanicamente o que foi feito nem nos tornaremos japoneses. Mas
é uma ajuda.
Na semana passada, falei de novo com
Esperidião para ver se conseguimos avançar em nosso modesto trabalho voltado à
prevenção. Ele está na comissão que avalia os estragos no Rio Grande do Sul.
Naturalmente, é prioridade agora falar da reconstrução e, se for o caso,
realizar um grande debate sobre ela. O senador me enviou um material
mencionando o movimento de arquitetos e urbanistas chamado BBB, sigla em inglês
para Build Back Better (Construa de Novo Melhor), e creio que esse deveria ser
o lema do trabalho que os gaúchos têm pela frente.
A situação é grave, a emergência climática
não nos dá mais trégua. Falar em La Niña agora, quando ainda estamos removendo
os escombros do desastre? Mas se não falamos com dois meses de antecedência
sobre a possibilidade de chuvas intensas na Amazônia e no Nordeste e de secas
no Sul, fica tarde demais para qualquer tipo de prevenção, por mais discreta
que seja.
Alguma coisa mudou no planeta, e os
aquecimentos no Rio Grande do Sul nos colocam diante de pautas que pareciam um
pouco teóricas e vanguardistas. Sem grandes pretensões, estou me colocando como
ajudante dos congressistas que quiserem aceitar essa tarefa gigantesca de
adaptar o Brasil. Se há algo que pode nos unir para além das divergências
políticas, é a sobrevivência diante do caos climático.
Naturalmente, as condições do Rio Grande do
Sul não são idênticas. Mas grande parte dos problemas vividos lá é comum no
resto do país. Gente em área de risco, rios assoreados, destruição da mata
ciliar, asfalto impermeabilizando tudo, bueiros entupidos, lixo no curso
d’água, falta de equipamentos — a lista é muito grande.
Enquanto todos nos voltamos para a gravidade
do que aconteceu no Sul, moradores de Macaé levaram um susto na semana passada
com o avanço súbito das águas do mar. Não há mais tempo a perder, e o voto
consciente ainda é uma das maneiras de reagir. Talvez seja a mais eficaz agora,
quando as cidades discutem seu destino, e a especulação imobiliária financia
seus candidatos.
2 comentários:
Gabeira, o sábio! Obrigado, Gabeira! Enquanto "a especulação financia seus candidatos", assim como pagava seus assassinos de aluguel, como os que mataram Marielle e seu motorista. Deputado federal (tão deputado quanto este grande colunista), conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, ... Obviamente, bolsonaristas e milicianos simultaneamente!
Pois é.
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