O Globo
Fatos preocupantes mostram que estamos vivendo não mais numa República, ou quase isso, no limite de um governo disfuncional em que, dependendo do momento, um dos três Poderes se impõe e é acobertado pelos outros dois, o que pode ser indicativo de um regime autoritário à vista
A democracia, não apenas no Brasil, está
passando por momentos tormentosos que prenunciam um futuro inquietante. Em
consequência, os Poderes da República ganham tons políticos que não se coadunam
com o equilíbrio teoricamente imaginado por seus criadores. À medida que os
Poderes se envolvem com ações políticas que sempre foram consideradas imorais,
até ilegais, elas se transformam em normais, e fica-se com a sensação de que
trabalham em comum acordo — um acordo político muito semelhante àquele proposto
pelo hoje lobista Romero Jucá, que prenunciou um pacto “com o Supremo, com
tudo” para “estancar essa sangria”, referindo-se à Operação Lava-Jato.
Alguns fatos preocupantes mostram que estamos vivendo não mais numa República, ou quase isso, no limite de um governo disfuncional em que, dependendo do momento, um dos três Poderes se impõe e é acobertado pelos outros dois, o que pode ser indicativo de um regime autoritário à vista.
Está acontecendo a mesma coisa nos Estados
Unidos, agravada pelo triste hábito de resolver as pendências políticas à bala.
Lá, um juiz achou normal que o ex-presidente Trump levasse para casa documentos
secretos do governo e anunciou sua decisão às vésperas da convenção que o
indicará como o candidato republicano à Presidência. Também lá a Suprema Corte
deu recentemente uma interpretação mais flexível a uma lei anticorrupção,
admitindo que funcionários públicos podem receber presentes ou dar assessoria a
empresas.
Aqui, Bolsonaro acha normal ligar para o
chefe da Receita Federal para falar sobre um filho que é investigado. O
presidente da ocasião pode escolher o secretário da Receita Federal, mas não
tem o poder de interferir nas investigações, especialmente para defender um
filho. Isso acontece com realezas das antigas, em que a família do rei é
intocável, e não é o que a República pede.
Nas realezas modernas, a intocabilidade já
está bastante limitada pela ação dos paparazzi, da imprensa livre e da
sociedade, cada vez mais atenta aos abusos. A vontade de normalizar qualquer
deslize vai longe, na visão de direita ou esquerda. O presidente Lula acha que
pode interferir na Petrobras, que pode indicar políticos aliados para órgãos
estatais. Não é o que uma verdadeira democracia pede de seus dirigentes. A
tendência de achar que o presidente pode qualquer coisa é anacrônica, fora do
que exige uma democracia moderna.
O mesmo acontece com o Supremo Tribunal
Federal (STF), que exorbita de suas funções, achando que tem poderes para
dirigir as investigações do ponto de vista da maioria eventual naquele momento
— sempre uma maioria relativa, dependente da tendência do presidente que nomeia
os ministros, entre progressistas, conservadores, de direita ou de esquerda.
Não é possível que os mesmos ministros votem
de maneiras distintas sobre o mesmo caso. É preciso um mínimo de coerência para
que o cidadão se sinta garantido pela mais alta instância da Justiça
brasileira. Um exemplo inquietante é o caso do ministro Alexandre de Moraes,
que, a partir do belo serviço prestado na presidência do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) em defesa da democracia, convenceu-se de que é intocável — e
não apenas ele.
Uma desavença num aeroporto no exterior com
uma família de brasileiros transformou-se em caso de segurança nacional. O
encarregado da investigação, que considerou o caso de menor gravidade e o
arquivou, foi substituído por outro, que viu na discussão em solo estrangeiro
um caso sério, a ponto de o procurador-geral da República ter denunciado por
calúnia e injúria os membros da família, com base em “expressões corporais”,
pois o vídeo não tem áudio.
Não é aceitável, numa democracia, que se
ataque fisicamente uma autoridade, mas também é impensável que uma investigação
que já fora encerrada mude de direção sem que tenha surgido fato novo. O
Congresso, que teoricamente representa o povo brasileiro, tem interesses
próprios para tratar com urgência, como a anistia aos partidos que
desrespeitaram a legislação que eles mesmos aprovaram. Assim la nave va,
desgovernada.
* Na coluna de terça-feira, me referi a uma
licitação cancelada como do Ministério das Comunicações, mas o problema ocorreu
na Secretaria de Comunicação.
3 comentários:
Como o autor coloca estamos vivendo um regime autoritário em que o Judiciário com apoio do Lula está implantando uma ditadura que Censura e persegue a oposição Temos centenas de presos políticos sem o devido processo legal
A esquerda que outrora lutou contra os árbitros hoje é que está à frente de toda essa situação de exceção
Não podemos esquecer que estamos sendo governados por um ex condenado por corrupção e lavagem de dinheiro há mais de 20 anos de cadeia por nove juízes em três instâncias e os seus assessores foram também desbaratados, julgados e condenados na lava jato Isso sim é uma grande aberração , esperar desse governo alguma coisa boa é uma ilusão infantil
Não há termos de comparação com o governo anterior.
Ótima coluna.
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