quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Um vice para as circunstâncias

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU EM OPINIÃO & NOTICIA

Além da poeira levantada, só mesmo os aviões e os políticos também de carreira receberam até agora alguma atenção em matéria de sucessão presidencial. Pré-candidaturas orais fazem evoluções pirotécnicas, com destaque para o presidente Lula, eterno pretendente que deu a volta por cima da confusão federal quando o terceiro mandato explodiu na rampa.

Mas não perdeu de vista a sucessão de 2014, enquanto a oposição espera novos indícios de que o país tenha realmente mudado. Para melhor, se não houver surpresa.

Da candidata Dilma Rousseff, Lula não quer mais do que a garantia de que, se eleita, resistirá ao assédio da reeleição, mal para a qual não se conhece vacina. Ele cuidaria pessoalmente do resgate do terceiro mandato que, sem trocadilho, procura terceirizar para empalmá-lo assim que possível. O presidente não cogita da hipótese médica, que deu um tranco nas pesquisas da candidata. É problema que diz respeito ao PMDB, e não assunto a ser tratado publicamente.

Ficou desaconselhável comemorar candidatura empacada nas pesquisas. Inclusive Lula, que também andou em baixa. Só o tempo dirá, mas este não corre favoravelmente ao PMDB, cujo potencial de divergência interna é garantia não escrita de democracia.

Por enquanto, a grande contribuição, senão a única, da candidatura Dilma Rousseff foi livrar o presidente Lula de ser fritado na própria banha do terceiro mandato, quando proclamou aquela teoria apanhada no meio-fio e segundo a qual a democracia chegaria à perfeição se utilizasse plebiscitos para saber se governantes merecem o terceiro mandato. Plebiscito, vale lembrar, não passa de homenagem que as ditaduras fazem à democracia, mas para mantê-la longe e não perturbar. Dilma Rousseff foi empurrada em cena para preencher o vazio deixado pelo terceiro mandato consecutivo para Lula e controlar efeitos colaterais, principalmente no PT (sem discriminar o PMDB).

Quando a eleição andava longe e só os políticos de carreira ocupavam o espaço especulativo, a opinião pública e a consciência tributária do brasileiro alimentavam-se de pesquisas, que podem ser dieta saudável, mas não enchem barriga do cidadão. Dilma Rousseff começou cedo e bem.

Quem apareceu com destaque foi o patrocinador Luiz Inácio Lula da Silva, para quem continua sagrado o velho princípio rural de que é o olho do dono que engorda a cria.

O presidente se animou com os primeiros resultados e dependurou a candidata na improvisada moldura do PAC, reforçada com a lista de obras que não se vêem. Quem pensou em reservar seu voto para Dilma já percebeu que está apenas quitando a dívida social com o presidente. Pode ser gentileza, mas quem dá aos pobres, dizem, empresta a Deus: dado a ela, o voto parece empréstimo a Lula. O presidente mandou às urtigas a coerência. O terceiro mandato passou a ser, para ele, questão de oportunidade. Pode ter se diluído a ilusão, mas dificilmente se dissiparão as conseqüências por onde o plebiscito tiver transitado nas vizinhanças continentais. Lula não é governante de obras, mas empreiteiro de demolições e desafios perigosos num país em que governos precisam ser fotogênicos para obter votos. Abstratamente, sem sair do papel, obra que não se vê é como rede de esgoto, impotente para eleger até prefeito municipal.

A candidatura Rousseff deu conta da dupla missão de livrar Lula da obsessão do terceiro mandato e levá-lo a desistir de testes que aceleram o desgaste de democracias em estágio probatório. O presidente trocou o terceiro mandato pela candidatura de Dilma, segurou as rédeas da sucessão e, pelo canto do olho, namorou o nicho de primeiro ministro oculto (criado por Vladimir Putin) em sistema presidencialista de governo.

No vácuo político que o PAC não preencheu, Lula soltou definitivamente a língua. Não é fácil, para quem não tem convicções e se arranja com o que aparece, abdicar do que pode vir a ter. É por aí que estamos indo (por enquanto, devagar) rumo ao conhecido, desde que o desconhecido voltou a ser enigmático. É por aí que a História, para salvar a face, se permite a indelicadeza de se repetir.

O presidente não precisa mais de oposição. As pesquisas vestiram-no como se ele também estivesse, gramaticalmente falando, acima do bem e do mal, e não abaixo.

Tudo vai fucar mais transparente e didático para o eleitor. Afinal, se o Brasil mudou, não pode ter sido para pior. As urnas dirão. O foco dramático se desloca para a escolha do vice adequado à candidata oficial. A operação pode ser decisiva para a fatalidade histórica que é, entre nós, a questão entre os vice-presidentes e a democracia. É por aí que o imprevisto tem assumido as rédeas e conduzido o país por vias transversas.E também está embutido o jogo de empurra para a escolha do parceiro de Dilma Rousseff, embora o perfil do vice ainda não passe de rabiscos. E é aí que se hospeda a questão política. Quanto mais tarde, melhor para os pretendentes que se disfarçam uns atrás dos outros. Mas apenas para eles. Tumulto equivale a adrenalina A candidata conseguiu atestado médico de cura, mas está sujeita a interpretações de conveniência.
Ela própria já se declarou curada, sem encontrar eco. Os pretendentes se fazem de alheios ou nunca estão por perto. O pior surdo é o que alega ter esquecido o aparelho em casa. O presidente Lula não é de passar recibo adiantado. Aos vices, desde algum tempo, a História do Brasil tem reservado mais do que a função de quebra-galho dos presidente, nas ausências e impedimentos.

Principalmente no que ainda não consta das especulações nem está explícito na Constituição.

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