terça-feira, 21 de agosto de 2012

Relator vê desvio de verba pública em dois momentos

O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão no STF, afirmou ontem haver provas de que dinheiro público alimentou o esquema. Com base em laudos e auditorias do TCU, disse que a DNA, agência de Marcos Valério, se apropriou de R$ 2,9 milhões do Banco do Brasil. Depois, o então diretor de Marketing do BB, Henrique Pizzolato, ordenou o pagamento de R$ 74 milhões do fundo Visanet à agência. Parte dessa verba foi usada para pagar a políticos. "O Visanet só enviou dinheiro para a DNA por determinação do Banco do Brasil" disse. Ele quer condenar Pizzolato por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, e Valério e dois sócios por corrupção ativa e peculato

Esquema usou verba pública

Relator vota pela condenação de Pizzolato, ex-diretor do BB, de Valério e seus dois sócios

Carolina Brígido, André de Souza

BRASÍLIA O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, afirmou ontem, em seu voto, que o esquema foi alimentado pelo desvio de dinheiro público. Ele votou pela condenação do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Também votou pela condenação de Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios da DNA Propaganda, por corrupção ativa e peculato.

Na sessão de ontem, 12º dia de julgamento do processo, Barbosa considerou que há provas nos autos para demonstrar que dinheiro do Banco do Brasil foi desviado em dois momentos para a agência de Valério. No primeiro desvio, a DNA se apropriou de bonificações que deveriam ter sido restituídas ao BB no valor de pelo menos R$ 2,9 milhões.

Na segunda modalidade de desvio de recursos públicos, segundo o relator, Pizzolato ordenou o pagamento antecipado de R$ 74 milhões do Fundo Visanet à DNA em quatro operações financeiras, realizadas entre 19 de maio de 2003 e 1º de junho de 2004. Em troca, o ex-dirigente do BB recebeu R$ 326,6 mil.

O relator ressaltou que, diferentemente do que alega a defesa, o dinheiro era público, já que o BB detinha 32,3% das ações e tinha total liberdade para escolher o que fazer com sua parte do Fundo Visanet.

Os recursos destinados à agência de Valério, segundo o relator, acabaram sendo usados para pagar políticos indicados pelo então tesoureiro do PT Delúbio Soares.

Barbosa também afirmou que, mesmo que o dinheiro fosse privado, isso não eximiria os acusados do crime de peculato. Isso porque, segundo o Código Penal, a prática ocorre quando um funcionário público desvia dinheiro público ou privado, por consequência do cargo que ocupa.

- Daí a fragilidade, ao meu ver, do principal argumento da defesa. Essas informações são cristalinas. O Visanet só enviou dinheiro para a DNA por determinação do Banco do Brasil. Quem pagou à DNA Propaganda foi o Banco do Brasil, e não o Visanet, que foi mero repassador desses recursos, que pertenciam ao banco - argumentou em seu voto.

Pizzolato autorizou sozinho os repasses

Segundo Barbosa, Pizzolato determinou sozinho os repasses, embora as regras do banco fossem claras no sentido de que esse tipo de decisão precisava ser submetida a colegiados. Outra irregularidade foi a falta de previsão desses pagamentos no contrato mantido entre a empresa e o banco. E também a falta de comprovação de contrapartida em serviços por parte da agência. O relator disse que as notas apresentadas pela DNA eram falsas, conforme comprovaram perícias técnicas.

- É incontornável a conclusão de que Henrique Pizzolato, no exercício da função, era a autoridade máxima a comandar as vultosas transferências de recursos para a DNA Propaganda. Embora ele não fosse o gestor do Banco do Brasil junto ao Fundo Visanet, a atuação desse gestor dependia de sua prévia autorização, por meio de notas técnicas, nas quais Pizzolato indicava a DNA Propaganda como favorecida - explicou Barbosa, concluindo: - A omissão de Pizzolato permitiu que a agência utilizasse livremente os recursos oriundos do Visanet.

O relator afirmou que o dinheiro do Visanet, que na verdade era do Banco do Brasil, serviu de garantia para que empresas de Valério tomassem cinco empréstimos em nome do PT nos bancos Rural e BMG. Entre os beneficiados pelo dinheiro estavam parlamentares do PP, então integrante da base governista.

- O desvio de dinheiro em proveito da agência foi perpetrado por Pizzolato em troca de vantagem indevida paga pelos controladores da DNA, os quais auxiliaram o PT assinando empréstimos junto ao Rural e ao BMG, que conferiram a aparência lícita ao pagamento a pessoas designadas por Delúbio - disse Barbosa.

Os R$ 326 mil que Pizzolato ganhou de Valério foram recebidos em espécie em uma agência do Banco Rural no Rio em 15 de janeiro de 2004. O cheque foi emitido no mesmo dia em uma agência do mesmo banco em Belo Horizonte, com a assinatura de Cristiano Paz.

Segundo o ex-diretor do Banco do Brasil, ele estava apenas fazendo o favor de pegar o dinheiro e entregar a alguém do PT. A defesa dele também alegou que o cliente não sabia que o pacote que levou para casa estava recheado de cédulas.

Segundo Barbosa, o peculato ficou configurado com o desvio de dinheiro público em benefício dos empresários, com o auxílio de um funcionário público. O fato de ter recebido dinheiro em troca do favor dá a Pizzolato a condição de autor de crime de corrupção passiva.

Os sócios da DNA teriam cometido corrupção ativa, ou seja, pagar propina em troca de favor do agente público. A lavagem de dinheiro teria sido configurada com a forma velada na qual Pizzolato recebeu o dinheiro, sacado no Banco Rural.

"A omissão do réu (pizzolato) foi dolosa"

O ministro também concluiu que o contrato de prestação de serviços da DNA com o Banco do Brasil foi executado de forma irregular, com a apropriação indevida dos chamados bônus de volume por parte da empresa, quando o contrato previa o repasse à instituição. Nesse item, o prejuízo foi de R$ 2,9 milhões dos cofres públicos. As transferências foram realizadas entre 31 março de 2003 e 14 junho de 2005, durante a gestão de Pizzolato. O diretor teria sido omisso na tarefa de fiscalizar a execução do contrato.

- Ele era responsável pelo cumprimento das normas contratuais. Fica evidente que o acusado deveria ter cumprido dever de ofício e impedido a apropriação de valores pela DNA Propaganda. O réu Henrique Pizzolato promoveu o aumento da remuneração da DNA à custa dos cofres públicos. No âmbito criminal, a omissão do réu foi dolosa - afirmou o ministro.

A defesa alegou que, segundo a praxe no mercado, os bônus de volume são pagos pelos veículos de comunicação às agências e, por isso, não houve desvio de dinheiro público. Mas o ministro esclareceu que o contrato entre a DNA e o BB previa o repasse de todos os bônus de volume e demais benefícios financeiros à instituição. A defesa também argumentou que lei de 2010 teria determinado que o pagamento de bônus de volume seria benefício de da agência. Barbosa negou que a lei tenha esse efeito.

- A clareza da obrigação de devolução do bônus de volume e o fato de todos os valores de bônus pertencerem expressamente ao Banco do Brasil mostram que houve sim crime de peculato - disse Joaquim Barbosa. - Está devidamente comprovado que a DNA se apropriou dos recursos que deviam ter sido devolvidos ao BB, que eram públicos. No caso, o contrato é muito claro ao mostrar que as vantagens pagas às agências sempre têm que ser devolvida para o banco. A DNA não devolveu nenhuma vantagem obtida.

Barbosa pede que Gushiken seja absolvido

Por falta de provas, Barbosa seguiu o entendimento do Ministério Público e absolveu o ex-ministro da Secretaria de Comunicação Luiz Gushiken, que era acusado pelo crime de peculato. A denúncia do MP citava depoimentos de Pizzolato atribuindo ao ministro a responsabilidade pelos repasses à agência de Valério. Nas alegações finais, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, entendeu que não foi possível comprovar o envolvimento de Gushiken.

O julgamento do mensalão será retomado amanhã com o voto do ministro revisor, Ricardo Lewandowski.

FONTE: O GLOBO

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