terça-feira, 21 de agosto de 2012

Recado aos manifestantes - Fernando Gabeira

Nos anos 60, era comum se manifestar no trecho da avenida Rio Branco, entre a Candelária e a Cinelândia. As pessoas que se apoiavam das janelas lançavam papel picado. Somente uma vez, alguém lançou uma velha máquina de escrever, assim mesmo visando à repressão policial.

Vivíamos sob uma ditadura militar. Com a anistia e aparição de novas manifestações, dessa vez no contexto da abertura política, a preocupação principal era não promover distúrbio ou sujeira. Em alguns casos, como foi o da manifestação em Angra dos Reis, contra a usina nuclear, chegamos a varrer as ruas após o protesto.

O cuidado em não atrapalhar a vida da cidade durante a manifestação está se perdendo, na medida em que a própria política perde importância. Não há mais condições para se manifestar como no século XX. A indústria automobilística cresceu brutalmente e até o ano passado seu incremento era de 20 % ao ano.

Cresceu também o número de habitantes e tornou-se muito mais complexa a mobilidade urbana. Nos últimos meses tenho batido nessa tecla. A Rio +20 motivou muitas manifestações no Centro e, consequentemente, engarrafamentos.

Na ponte Rio-Niterói uma simples operação padrão da Polícia Rodoviária comprometeu o trânsito nas duas cidades. E, por ultimo, o desfile de três mil vans deu outro nó num fluxo de veículos já complicado em dias comuns.

É louvável se manifestar. Sem isso, fica mais fácil que nos imponham uma injustiça. No entanto, os últimos anos foram marcados por um eclipse da política e uma concentração quase que exclusiva na melhoria de condições materiais. O próprio governo federal é um exemplo disso. Quando questionado sobre algum equívoco político responde: as condições materiais de vida melhoraram no país, isso é o que importa. No entanto, as pessoas precisam considerar a política no sentido mais amplo. É impossível ganhar simpatia para uma causa bloqueando ruas, impedindo que as pessoas circulem de casa para o trabalho, se desloquem para um hospital quando necessário.

No momento, há uma ilusão de que quanto mais tanstorno se produza, mais propaganda ganha a causa que defendemos. É verdade. Só que através do transtorno, a propaganda torna- se negativa. A conquista da simpatia do outro, a preocupação com seu bem estar são elementos fundamentais da política. Se a moda pega e a tática de manifestar deixa de ser uma forma de seduzir quem desconhece a causa defendida, teremos uma situação complicada.

Nesse cenário, prevejo muitos distúrbios e poucas vitórias reais. E as vitórias são o que realmente interessa para quem luta por melhorias. Até com algumas bicicletas é possível paralisar o complexo e moroso tráfego urbano. Tornou-se mais fácil chamar a atenção. Mas chamar a atenção é apenas um lado do problema. O principal sempre foi e será convencer sobre a justiça de nossos anseios.

Isso é mais difícil e obriga cada vez mais os líderes e manifestantes a acharem um caminho de protesto combatível com a metrópole brasileira.

FONTE: JORNAL METRO

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