• Quaquá vai dar porrada em burgueses. Onde vai encontrá-los? Quem é classe média?
O Globo / Segundo Caderno
Um amigo no exterior me perguntou se no Brasil estava tudo dominado. Referia-se ao habeas corpus dado por Teori Zavascki a Renato Duque, indicado do PT na Petrobras. Dominado não sei, respondi. Mas, naquele momento, estava tudo bloqueado: as estradas, pelos caminhoneiros, as contas bancárias, pela Justiça. Tantos bloqueios que a conta do ex-governador petista de Brasília, Agnelo Queiroz, foram bloqueadas duas vezes na mesma semana. Há bloqueio na relação Dilma- Congresso, e bloquearam o juiz que bloqueou os bens de Eike Batista.
O bloqueio se estendeu às cabeças: Washington Quaquá, um dirigente do PT fluminense, afirmou que daria porradas nos burgueses. Lula disse que chamaria o exército dos sem-terra para as ruas.
Às vezes temo que minha visão também fique bloqueada. Mas encaro esse movimento como a busca do golpe perfeito. O governo do PT arruinou a Petrobras, quer que os empreiteiros fiquem presos e que os sem-terra levem e deem porrada para defendê-lo. Em ruas indignadas com a corrupção, será difícil evitar os conflitos.
Bloqueados os caminhos para entender o assalto à casa do procurador Janot nas vésperas de apresentar a denúncia. Ele se limitou a dizer que os assaltantes estiveram por oito minutos em sua casa. Nada levaram de valor, apenas o controle remoto do portão. Se um grupo entra na casa de um procurador e não rouba nada, está apenas querendo dizer que entra quando quiser. E se leva o controle remoto do portão é apenas para mostrar como é inútil, pois conseguiram entrar sem ele. Ou será que seriam tolos o suficiente para acreditar que o controle remoto continuaria a abrir o portão depois do assalto?
O bloqueio mental se estende a Dilma. Ela despachou o embaixador da Indonésia pela porta lateral, como se fosse o entregador de pizza. O homem estava vestido com roupas típicas de seu país e compareceu na data marcada para apresentar credenciais.
Ninguém do Itamaraty percebeu essa grosseria. Ninguém no Congresso foi à embaixada da Indonésia pedir desculpas. Apagão diplomático. A política foi conduzida, nesse caso, por reflexos de uma dona de casa estressada. E ainda temos um brasileiro no pelotão da morte na Indonésia, compras de avião da Embraer que podem ser suspensas.
O bloqueio maior é na convivência política. A filósofa Marilena Chaui disse uma vez que odiava a classe média. Quaquá vai dar porrada em burgueses. Onde vai encontrá-los? Nos restaurantes de luxo nas ilhas do litoral de Angra? Quem é classe média? Vão atacar as lojas de conveniência nas noites de sábado, as academias de pilates?
Tudo muito confuso. CGU e TCU, provavelmente mais alguma coisa terminada em u, preparam um acordo de leniência. Os empreiteiros pagam multa e voltam a realizar obras públicas.
Enquanto isso, o BNDES estuda um empréstimo de R$ 31 bilhões para as empreiteiras. Com essa grana, pagam a multa e ainda podem mandar um pouco para os partidos do governo. E essa grana vai para os marqueteiros, que inventarão outros heróis do povo brasileiro, corações valentes e outras babaquices eleitorais. É assim que a banda vai tocar? Desta vez não só há um grande volume de informações como também a reação externa.
Romper com a opinião pública interna e com financiadores internacionais não é uma boa tática. Sobretudo no momento em que vivemos uma crise em que a falência do modelo aparece a cada novo indicador econômico.
Avançamos, desde o fim da ditadura. Houve confrontos, como o dos petistas com Mário Covas, operações extremas, como a dos aloprados em 2006. Em vez de se abrir para reparar os graves erros na economia e na política, Lula convoca um exército, como se acabassem os argumentos e o confronto fosse a única saída para o impasse que o próprio PT criou.
Transformar adversários políticos em inimigos significa uma regressão. Nosso processo democrático já havia superado esse estágio. O insulto a pessoas em busca de ajuda médica, como foi o caso da mulher de Mantega, é injustificável. Mas partiu de pessoas sem responsabilidades com o processo político. Assumir um tom de guerra à frente de um partido, como fizeram Lula e Quaquá, parece-me um ato de desespero. É uma ilusão intimidar para se defender.
Domingo que vem é 15 de março. Manifestações de protesto estão marcadas. O PT marcou a sua para defender o governo e a Petrobras que ele mesmo arruinou. Mas vai fazê-lo dois dias antes. Melhor assim. Vamos deixar que tudo aconteça, sem ameaças, sem porradas. Que o país se expresse em paz e que seja honrado o legado coletivo desses anos de democratização.
Falaram tanto na campanha eleitoral: filmes, lendas, imagens de um Brasil paradisíaco que fabricaram. Agora é hora de ouvir um pouco o que pensam as pessoas. Guardem exército e porradas para o videogame. Desbloqueiem o caminho do país real.
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Fernando Gabeira é jornalista
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