A abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, neste momento, pode ser politicamente tentadora, mas será certamente inoportuna, diante dos imensos obstáculos regimentais e partidários que a ela se oporão. Mesmo assim, dezenas de milhares de pessoas, mobilizadas por meio de redes sociais, prometem sair às ruas em todo o Brasil, no próximo dia 15, para exigir que Dilma seja impedida de continuar no cargo.
O efeito imediato das manifestações tal como programadas, se elas realmente tiverem a dimensão que prometem, será o acirramento dos ânimos e a radicalização. Tal atmosfera de instabilidade ofereceria àqueles que se sentem acuados pela crise a oportunidade de reagir de forma violenta, transformando em "golpistas" todos os que se opõem ao governo Dilma - desde os que pregam o impeachment até os cidadãos que apenas estão cansados de tanta corrupção e incompetência. O ex-presidente Lula, por exemplo, já disse que açulará o "exército de Stédile" - o chefe do MST - contra quem for às ruas pedir a saída de Dilma.
As manifestações de protesto e descontentamento transferem-se extemporaneamente para as ruas porque a oposição formal à presidente no Congresso não tem sido capaz de exprimir o sentimento de frustração nacional com o desastre moral e administrativo do governo petista. A oposição a Dilma, por estranho que pareça, tem sido exercida dentro da própria coalizão fisiológica que a sustenta e até mesmo dentro de seu próprio partido. Nada disso está acontecendo por acaso, pois interessa cada vez menos aos antigos aliados vincular-se a um governo que naufraga em meio ao desastre econômico causado pela incompetência de Dilma, com prejuízos para todos os brasileiros - mas, em especial, para os mais pobres, aqueles que o PT se diz orgulhoso de ter resgatado da miséria.
Os mais recentes movimentos de Lula nada mais são do que uma tentativa de desatrelar-se das trapalhadas da presidente para continuar se apresentando como o herói das classes desfavorecidas na luta contra "eles" - isto é, contra os supostos conspiradores, representantes das "elites" que tramam a queda de Dilma e, mais que isso, urdem a derrota do PT e de seu projeto redentor.
Lula nunca teve pudores de abandonar pelo caminho seus companheiros de viagem, quando isso foi necessário para a manutenção de seu projeto de poder. Dilma é apenas mais uma. Quando Lula incita seus sabujos a atacar os opositores da presidente nas ruas, não é Dilma que ele está defendendo, mas a si mesmo.
Esse confronto imaginário foi desenhado pelo ex-presidente, sem nenhuma sutileza, em recente discurso aos militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Naquela oportunidade, depois de ouvir o coordenador do MST, João Pedro Stédile, dizer que só "nas ruas" é possível derrotar a oposição, Lula revelou toda a sua disposição belicosa: "Quero paz e democracia. Mas eles não querem. E nós sabemos brigar também, sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele na rua".
Com isso, Lula conduz o jogo para o terreno que lhe é favorável - o da confusão e da anarquia. A intenção é transformar o PT e as classes pobres que o partido diz defender em vítimas do ódio das tais "elites": "O que estamos vendo é a criminalização da ascensão de uma classe social neste país. As pessoas subiram um degrau e isso incomoda a elite", discursou o ex-presidente, reduzindo o debate político a um vulgar Fla-Flu.
Nesse sentido, os movimentos que defendem o impeachment de Dilma servem aos propósitos do lulopetismo, pois jogam no tudo ou nada anunciado por Lula. Nascidos à margem dos inoperantes partidos de oposição, esses movimentos acreditam que só a radicalização nas ruas será capaz de remover os petistas do poder. Mas são amadores nesse perigoso mister. Conhecendo a força da militância do PT e de seus satélites nos sindicatos e movimentos sociais, é possível imaginar a violência da reação a essa afoiteza. Pois essa é uma militância paga e profissional, pronta para a truculência.
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