- O Globo
O governador Franco Montoro estava no Palácio, com convidados ilustres. Era o dia 5 de abril de 1983. A oposição tinha assumido, 20 dias antes, o poder nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os governadores Tancredo Neves e Leonel Brizola estavam no Bandeirantes, almoçando com Montoro. Foi quando os manifestantes derrubaram as grades e invadiram os jardins do Palácio.
O que fez Montoro foi o que mais me impressionou. O Brasil não sabia o que era ver aqueles políticos, há quase duas décadas na oposição, assumindo o poder. E eles não sabiam como era governar. Tinham estado ao lado de manifestantes durante anos e voltariam a estar do lado deles, um ano depois, na campanha das Diretas. A visão de dentro das grades era inacreditável. Liderados pelo PCdoB e PT, os manifestantes ignoraram a tentativa de negociação do secretário do trabalho Almir Pazzianoto, que foi até a multidão conversar, e rumaram para o Palácio. Com a pressão, as grades vieram abaixo. Montoro saiu do almoço e foi conversar com os manifestantes. Uma mulher mais exaltada, com o dedo em riste, bem perto do governador, disse alguma coisa assim:
— Ô Montoro, você tem que nos ouvir.
O governador respondeu que estava ouvindo. Tudo parecia uma impropriedade: o governador ir direto, de peito aberto, falar com manifestantes; e eles, gritando com o governador.
As cenas que assisti de perto, como repórter, contrastam em tudo com as que foram conduzidas pelo governador do Paraná, Beto Richa, do PSDB — partido que naquele 1983 não existia, mas do qual Montoro foi um dos fundadores. Richa, no dia 29 de abril de 2015, mandou a Polícia, com violência desmedida, sobre professores que tentaram entrar na Assembleia Legislativa do Paraná.
É natural conter manifestações exaltadas, e aquela estava desrespeitando ordem judicial. Contudo, não é normal ferir quase 200 pessoas e não dar resposta em tempo hábil aos excessos cometidos pela Secretaria de Segurança. Desde então, Richa hesita. Primeiro apoiou a ação; em seguida se escondeu.
Dias depois, caiu o secretário de Educação. Em seguida, o comandante da PM. Na sexta-feira, foi a vez do secretário de segurança Fernando Francischini, depois do desabafo de sua mulher em rede social. Ela queria apoio maior ao marido. O governador tucano nem criticou a ação, em tudo condenável, nem pareceu aos seus comandados ter dado apoio suficiente aos atos de repressão. Demissões tardias não falam bem da sua capacidade de tomar decisão durante crises.
Montoro foi criticado pela ditadura e seus porta-vozes. Teria ficado atônito, diziam, não reprimiu como deveria. Em 1983, o país vivia um momento de agitação política e aflição econômica. O desemprego estava alto há muito tempo, pela política recessiva imposta pelo ministro Delfim Netto.
Duas maxidesvalorizações da moeda decretadas por ele tinham elevado a inflação para o nível de 200%. O protesto começara na segunda-feira, 4, com saques em Santo Amaro e quebra-quebra. Na terça-feira, 5, eles marcharam para o Palácio. O PCdoB, que liderara a marcha e a invasão do Bandeirantes, não tinha ainda existência legal, e por isso se abrigava dentro do mesmo PMDB do governador Montoro. O PT tinha dois anos de vida e estava lá exibindo seu lado radical, que mostra quando não é ele que está no poder. O partido jamais apoiou os avanços democráticos, exceto quando o favoreciam. Naquele momento, a vitória do PMDB, em São Paulo e Minas, e do PDT, no Rio, prenunciava o fim da ditadura, mas tanto o PT quanto o PCdoB atacaram o governo estadual em São Paulo como se o inimigo não estivesse em Brasília, no Planalto.
Um sereno Franco Montoro me recebeu para almoçar, no dia 7 de abril, dois dias depois da invasão do Bandeirantes. Eu havia pedido a conversa ao assessor de imprensa A.P. Quartim de Moraes. Ele levou o pedido ao governador, que aceitou me receber. O que mais me impressionou foi a calma com que ele falava dos protestos. Dizia que na democracia era assim mesmo e que preferia o diálogo. Criticado por excesso de tolerância, Montoro, se estivesse vivo, poderia ensinar ao filho do seu amigo, o tucano José Richa, o que não fazer diante de um protesto na democracia.
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