• PT e Lula fracassam ao tentar se afastar de Dilma, ampliam a crise e colocam em risco o ajuste fiscal, que só foi aprovado graças ao apoio da oposição
Sérgio Pardellas e Josie Jeronimo – IstoÉ
Desde 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores chegaram juntos ao poder, o governo e a legenda da estrela rubra nunca estiveram tão em conflito como agora. O embate, em muitos aspectos, não passa de esperta conveniência. Nesse momento, interessa tanto ao PT como ao governo Dilma Rousseff parecerem longes um do outro. Num jogo de sombras, o PT tenta se dissociar das medidas econômicas de arrocho adotadas por Dilma, que estão na contramão das bandeiras históricas da esquerda. Já ao governo, abalado pela deterioração da popularidade da presidente, é vantajoso se desvincular dos escândalos de corrupção protagonizados por dirigentes petistas. Na verdade, porém, embora queiram só o bônus da relação, PT e governo são sócios da crise instalada no País. Na semana passada, ela se intensificou com o acirramento dos ânimos no Congresso e colocou em risco o ajuste fiscal tão necessário para o reequilíbrio das contas públicas do País. Na quinta-feira 7, o pacote só foi aprovado – e por uma diferença de apenas 25 votos – graças ao apoio de setores da oposição. O estopim da mais nova crise foi justamente a ação que o PT empreendeu para tentar se desvincular das trapalhadas de Dilma, como se isso fosse possível.
Em programa do partido, exibido na noite de terça-feira 5, que não contou com a participação de Dilma, o PT se colocou frontalmente contra a terceirização dos empregos e o ajuste fiscal patrocinado pelo Planalto. Coube ao ex-presidente Lula o papel de mensageiro do PT. A estratégia, no entanto, revelou-se um fracasso. Porque enquanto Lula, em nome do PT, aparecia na TV para atacar a Câmara e os deputados aliados por causa do projeto de terceirização aprovado em abril, em Brasília, a presidente Dilma e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, suplicavam para que os parlamentares aprovassem o pacote do ajuste fiscal. Os mesmos deputados aos quais Dilma implorava por apoio seriam, segundo Lula, responsáveis por fazer "o Brasil retornar ao que era no começo do século passado", quando "o trabalhador era um cidadão de terceira classe, sem direitos, sem garantias, sem dignidade". "Nós não vamos permitir esse retrocesso", afirmou. Claro que o gesto do ex-presidente não ficaria impune em meio a um ambiente político inflamável.
As declarações de Lula tiveram efeitos colaterais pesadíssimos. A primeira reação veio da sociedade, que respondeu com os já tradicionais panelaços organizados nas principais capitais do País. Desta vez com um agravante: o episódio escancarou que parcela significativa dos brasileiros não reprova exclusivamente Dilma. Rejeita também o PT e o ex-presidente Lula, hoje o principal nome da legenda para 2018. Outra reação às palavras do ex-presidente partiu do Palácio do Planalto. A postura do PT no programa partidário caiu como uma bomba no governo e exaltou os ânimos entre cabeças coroadas do partido e do Executivo federal. A interlocutores, a presidente reclamou que seu partido, numa semana decisiva, deveria ter a obrigação de fazer a defesa do pacote, e não transferir a responsabilidade do ajuste para o governo, deixando a parte positiva com o PT, como de fato aconteceu. O PT,via emissários, respondeu no mesmo tom. Disse que em nenhum momento a presidente os chamou para discutir as propostas.
Mas foi no Congresso que pegou fogo. O bate cabeça entre o governo e o PT em torno das medidas provisórias do ajuste foi utilizado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para impor uma grande derrota a Dilma. A sessão da noite de terça-feira 5 que estava programada inicialmente para votar uma das MPs do arrocho foi usada para apreciar a Proposta de Emenda à Constituição 457/2005, conhecida como PEC da Bengala, por estender de 70 para 75 anos a idade máxima de atuação em tribunais superiores. Ao aprovar a proposta, o Congresso tirou da presidente o poder de nomear cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), três do Superior Tribunal de Justiça, seis do Superior Tribunal Militar, três do Tribunal Superior do Trabalho e três do Tribunal de Contas da União. "É evidente que a presidente da República e o vice-presidente perderam poder", disse o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), durante a cerimônia de promulgação do projeto. A inversão de pauta tramada por Cunha foi uma retaliação ao governo.
O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), expôs a insatisfação. Avisou que a bancada suspenderia o apoio ao ajuste até o PT assumir publicamente a defesa da proposta encaminhada pelo governo. "Não vamos assumir o ônus sozinhos. Não votaremos a MP 665 até que o PT nos explique o que quer. Se for o caso, feche questão para votação das matérias do ajuste fiscal. Se não for assim, não contem conosco", ameaçou Picciani. Embora contrariada, a maior parte da bancada de 64 deputados do PT se posicionou favoravelmente ao projeto do governo. Mesmo assim, um parlamentar petista votou contra e 9 faltaram à votação, e, se não fossem os votos da oposição, o texto não teria sido aprovado. "O PT está cheio de fujões. Deveriam espalhar cartazes de procura-se", ironizou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para constranger os petistas a votar com o governo, a Força Sindical liderada pelo deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, lotou as galerias do plenário arremessando notas falsas de dólares estampadas com os rostos de Lula, Dilma e do ex-tesoureiro da sigla João Vaccari Neto, preso sob a acuação de participar do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. O deputado Vicentinho (PT-SP) foi o mais alvejado com cartazes e palavras de ordem que atribuíam a ele o título de traidor, realçando seu passado de militante sindical em defesa da luta dos trabalhadores. Próximo ao término da sessão, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) reconheceu a ajuda da oposição na votação da primeira MP do pacote do ajuste fiscal. "Quero agradecer toda a nossa base e aqueles da oposição que votaram conosco em função dos compromissos com o País."
A Câmara só encerrou a votação da MP na noite de quinta-feira 7. O texto aprovado indica que o trabalhador só terá direito ao benefício se tiver recebido 12 meses de salário nos 18 meses anteriores à data de demissão. Pelas regras anteriores bastavam seis meses de salário para ter direito ao seguro. O governo pretendia aprovar uma mudança que obrigava o trabalhador a receber 18 salários antes de acessar o benefício. Com a alteração do texto de 18 meses para 12 meses, a contenção de despesas caiu da projeção de R$ 18 bilhões para R$ 15 bilhões por ano.
Apesar da ação desastrada que, ao fim, trouxe mais ônus do que bônus ao partido e ao próprio Planalto, tentar descolar-se de Dilma, quando é conveniente, foi a maneira encontrada pelo PT para sobreviver até as eleições de 2018. Por enquanto, essa estratégia não colou perante os eleitores e provocou uma crise com o Congresso e com a própria presidente num momento crucial para o governo. É impossível prever se dará certo mais adiante. "As declarações de Lula mostram que ele vai se apresentar como uma candidatura alternativa à Dilma e não como sucessor dela. O afastamento é uma sobrevivência para o PT. A junção entre o partido e o Planalto não foi ruim para o PT enquanto o governo ia bem. Mas se o governo de Dilma degringolar, o PT vai junto", afirma o cientista político Artigas Godoy, professor da Universidade Federal da Paraíba. Seguindo essa lógica, a CUT convocou uma paralisação nacional para o próximo dia 29. Segundo a Central, os protestos serão contra o projeto de terceirização e as mudanças no seguro-desemprego e na aposentadoria propostas pelo governo federal. A postura de confronto não ocorre por acaso. Em conversas internas, líderes sindicais se revelam preocupados com o crescente desgaste do governo. Para não perder o apoio de suas bases, a alternativa é tentar retomar bandeiras históricas. "Não há uma briga de fundo. A questão é tática. Está todo mundo no mesmo barco e para o PT e sindicatos a melhor estratégia é reafirmar sua identidade", analisa Godoy.
O PT corre contra o tempo. O quadro para as eleições municipais de 2016, por ora, é desolador para o partido. O diagnóstico é baseado em pesquisas internas. Para piorar, há registros de desfiliação de correligionários tradicionais. No PT da Bahia, o ex-deputado Sérgio Barradas deixou o partido após 15 anos. O diretório estadual do Rio Grande do Norte e os regionais de Foz do Iguaçu e Caruaru tiveram desfiliações em massa e, em Jundiaí (SP), o sociólogo Paulo Taffarello deixou a sigla para se juntar ao PSOL. Petistas históricos engrossam o coro das críticas. "O PT tem que se cuidar para não perder a vergonha", disse o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), um dos fundadores do partido no Acre. Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, o partido absorveu práticas de "uso e abuso" de poder. "O fundamental agora é o PT recuperar sua dignidade", disse o integrante do primeiro escalão de Dilma. Já para o jornalista Ricardo Kotscho, o ex-ministro da Comunicação do primeiro governo petista, o desgaste da legenda não só já contaminou Lula como pode limar suas pretensões eleitorais para 2018. "O panelaço sofrido por Lula e o esfriamento da militância apontam para caminhos difíceis", prevê. Ao comentar a participação do líder petista no 1º de maio no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, Kotscho lamentou: "Lula nunca ficou tão isolado num palanque, sem estar cercado por importantes lideranças políticas, populares e sindicais. O discurso de Lula também não tem mais novidades, não aponta para o futuro. Tem sido muito repetitivo, raivoso, retroativo, sempre com os mesmos ataques à mídia e às elites". Para o amigo do ex-presidente, o cenário eleitoral para Lula e o PT é sombrio. "Lula já não lidera as pesquisas para 2018 em várias regiões do País. Claro que a situação pode mudar até lá, mas a volta de Lula tornou-se bem mais difícil", prognosticou. Kotscho não está errado. Embora o PT, na pessoa de Lula, e governo se esforcem para demonstrar distanciamento quando lhes é oportuno, as investigações da Lava Jato tratam de lembrá-los que eles são como irmãos siameses. Em depoimento à Justiça Federal realizado na terça-feira 5, o ex-diretor da área Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, afirmou que foi convidado para o cargo pelo então presidente Lula e a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff. Ele negou qualquer indicação política do PMDB e se disse mais próximo ao PT. Em outro depoimento, desta vez à CPI da Petrobras na Câmara, o ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo Roberto Costa, responsabilizou a presidente pelas perdas na refinaria de Pasadena, no Texas, e reafirmou que houve um repasse da cota que era do PP para a campanha da presidente Dilma em 2010. "Houve pedido de R$ 2 milhões para a campanha da presidente Dilma, sim", disse.
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