Foi um evento condizente com o novo status de independência que o PMDB pretende assumir perante o governo ao qual, no papel, deve apoio. A desenvoltura do vice-presidente Michel Temer ao dar boas-vindas à senadora Marta Suplicy e ao ouvir da ex-petista que é ele quem haverá de “reunificar o País”, numa cerimônia que contou com todos os principais caciques do partido, não deixou muitas dúvidas sobre o caminho que o PMDB já decidiu seguir. Isso significa que, por mais que Dilma Rousseff considere ser possível obter o apoio peemedebista contra o impeachment em troca de mais um punhado de Ministérios, o partido deixa cada vez mais claro que a agonia da presidente não lhe diz respeito, salvo como oportunidade para articular o desfecho político que melhor lhe aprouver – talvez ter candidatura própria em 2018.
No convescote peemedebista, realizado em São Paulo, os militantes, animados pelo locutor, gritavam “um, dois, três, quatro, cinco, mil, Marta e Michel, em São Paulo e no Brasil!”. O grito de guerra resume uma estratégia – com Marta em seus quadros, o PMDB espera conquistar a Prefeitura de São Paulo, tirando do PT aquela que talvez seja sua última cidadela eleitoral capaz de oxigenar o partido sufocado pelas denúncias de corrupção e do desgoverno de Dilma. Já em relação a Temer, trata-se de uma óbvia referência à possibilidade de que ele assuma a Presidência caso Dilma sofra o impeachment, processo cujo andamento depende principalmente do PMDB de Eduardo Cunha.
Ignorado pela presidente na hora em que as decisões mais importantes do governo foram tomadas no segundo mandato, Temer se considera mero observador do colapso de Dilma. Por esse motivo, o vice-presidente da República estava completamente à vontade diante das manifestações explícitas de oposição a Dilma feitas na sua presença, no evento que festejou a filiação de Marta ao PMDB.
Embora Temer tenha dito, em seu discurso, que o PMDB é um partido “de divergências internas quase permanentes, que fazem sua grandeza”, ficou claro ali que os peemedebistas de alto coturno estão razoavelmente alinhados – e que não será oferecendo cargos ao baixo clero da legenda que Dilma conseguirá constranger o PMDB a permanecer a seu lado na defesa de seu mandato.
Ao contrário, o partido já não faz questão nenhuma de parecer governo. No evento, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi explícito ao dizer que “o PMDB tem de ter candidato à Presidência” e que o partido não pode mais “ir a reboque” do PT. Em seguida, sob intensos aplausos, conclamou o PMDB a seguir o exemplo de Marta: “Vamos largar o PT”.
Um tom semelhante, embora menos desabrido que o de Cunha, já havia sido adotado pelo PMDB no mais recente programa do partido exibido na TV. Nele, Temer aparece como personagem central, com porte presidencial, sob o slogan “É hora de reunificar os sonhos”. Em seguida, os principais líderes do partido se sucedem em críticas ao aumento da carga tributária e a outras medidas de Dilma para contornar a crise. E finalmente a apresentadora diz: “Um Brasil que se dizia tão gentil com seus filhos de repente resolve cobrar a conta. Isso dói”.
Esse esforço do PMDB para desconstruir o governo petista, como se a ele não estivesse associado há mais de uma década, teve na filiação de Marta um de seus pontos altos. E ela não decepcionou. Em seu discurso, disse que escolheu trocar o PT pelo PMDB porque “a gente quer um Brasil livre da corrupção, livre das mentiras, livre daqueles que usam a política como meio de obter vantagens pessoais” – como se, ao longo dos mais de 30 anos em que foi petista, ela não tivesse percebido que seu partido havia se transformado numa usina de trambiques.
Mas agora Marta deve estar aliviada, pois ingressou num partido cujos principais líderes incluem Eduardo Cunha, enrolado na Operação Lava Jato, e Renan Calheiros, que já teve de renunciar à presidência do Senado para não ser cassado por suspeita de corrupção. Além de Jader Barbalho, Luiz Antonio Fleury Filho e outros menos cotados.
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