• Dilma admitiu que as medidas adotadas anteriormente para conter a crise se esgotaram, mas voltou a afirmar que o ajuste fiscal será suficiente para retomar o crescimento
- Correio Braziliense
A presidente Dilma Rousseff ainda não se convenceu de que o Brasil tem problemas estruturais na economia. Foi o que deixou claro ontem, ao discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), perante os líderes mundiais, em que pesem a maior recessão dos últimos 25 anos, a marca de um milhão de trabalhadores demitidos, o dólar acima dos R$ 4 e uma dívida pública que cresce astronomicamente e já chegou a R$ 2,68 trilhões.
Em 20 minutos de discurso, disse que a economia brasileira é “mais forte e sólida” do que em anos anteriores: “A lenta recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da arrecadação, levando a restrições nas contas públicas. O Brasil, no entanto, não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais e, diante desta situação, estamos reequilibrando o Orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, gastos de custeio e parte do investimento”.
Dilma admitiu que as medidas adotadas anteriormente para conter a crise se esgotaram, mas voltou a afirmar que o ajuste fiscal será suficiente para retomar o crescimento: “Propusemos cortes drásticos de despesas e redefinimos nossas receitas. Essas iniciativas visam a reorganizar o quadro fiscal, reduzir a inflação, consolidar a estabilidade macroeconômica e garantir a retomada do crescimento com distribuição de renda.” Em nenhum momento a presidente da República admitiu a necessidade de reformas para a economia voltar a crescer. Essa é uma palavra que não existe no seu dicionário.
Na verdade, a presidente da República lançou o país num impasse: quer que o Congresso aumente impostos para bancar os gastos do governo, cujo orçamento cresce mais do que o Produto Interno Bruto (PIB); ocorre que a sociedade não suporta mais a carga tributária, o que gera um ambiente contrário no parlamento. É um empate, que gera um circulo vicioso. O risco Brasil eleva o dólar, que aumenta a inflação, que eleva os juros, que aumenta a dívida pública, que inibe o crescimento, que reduz a inflação e joga a arrecadação pra baixo.
O Brasil não é a China, que tem mais de US$ 3,5 trilhões de reservas e pode queimar mais de US$ 400 bilhões no câmbio; está mais para Rússia, cujas reservas caíram de US$ 500 bilhões para US$ 300 bilhões e, mesmo assim, não conseguiu segurar o câmbio. Com US$ 370 bilhões em reservas, o Banco Central (BC) não tem cacife para bancar o jogo pesado com os especuladores, se nada for feito para efetivamente reduzir os gastos do governo. Dilma acredita que pode bancar esse jogo, como deu a entender seu discurso na ONU, mas o mercado pensa diferente. E os indicadores não mentem.
Oposição petista
Quem também pensa diferente, mas com sinal trocado, são os economistas do PT, ligados à Fundação Perseu Abramo, que ontem divulgou documento com duras críticas à política econômica. O documento “Por Um Brasil Justo e Democrático”, não poupa críticas ao ajuste fiscal proposto pelo governo e acusa Dilma de ser prisioneira dos banqueiros, numa alusão ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que o PT pretende derrubar na reforma ministerial.
A fundação é presidida por Marcio Pochmann, que comandou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) até 2012. Embora não seja endossado pelo PT publicamente, o texto reflete a opinião da maioria dos dirigentes do partido: “A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e fundos de investimento. Eles querem capturar o Estado e submetê-lo a seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da força de trabalho e fazer regredir o sistema de proteção social.”
No Congresso, este é o discurso dos parlamentares petistas; nos movimentos sociais, mais ainda. “O ajuste fiscal em curso está jogando o país numa recessão, promove a deterioração das contas públicas e a redução da capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. Mais grave é a regressão no emprego, nos salários, no poder aquisitivo e nas políticas sociais”, sintetiza o documento.
Amanhã haverá uma reunião em Brasília do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os parlamentares petistas para discutir a reforma ministerial. A prioridade da reestruturação do governo não é a aprovação do ajuste fiscal e a gestão da crise, é barrar a possibilidade de abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Ocorre que a permanência de Dilma no cargo depende muito mais da estabilização da economia. Aparentemente, porém, essa é uma falsa contradição. Lula quer antecipar a votação do pedido de impeachment pela Câmara e derrotar a oposição, antes que a crise se agrave ainda mais no plano social e o PMDB possa dar o bote.
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