• Manifestações históricas forçam o andamento do calendário do impeachment, enquanto a economia se dissolve, sem perspectivas de mudanças
Em crises profundas e amplas como a atual, a evolução de suas vertentes política e econômica não costuma se dar na mesma velocidade. Neste domingo, impulsionados pelo maior conjunto de manifestações de rua da História do país, o calendário e o relógio da face política da crise apertaram o passo rumo a um desenlace.
Até aqui, o processo assustador de liquefação da economia permanece sem uma perspectiva de solução — mesmo que as melhores alternativas para reequilibrar as contas públicas, conter inflação, reativar investimentos e consumo sejam conhecidas. Porém, por desagradarem a PT e aliados, nada se faz. É neste ponto que as crises política e econômica se entrelaçam e interagem.
Mas os milhões de manifestantes de domingo contra Dilma, Lula, PT, e a favor de Sérgio Moro e Lava- Jato — não importa se 3,6, segundo as PMs, ou 6,9, de acordo com os organizadores —, tiveram tal dimensão, maior que todos os eventos políticos de rua ocorridos até hoje no país, que forçam uma definição sobre o futuro de uma presidente acuada em Palácio.
Do roteiro para a votação do pedido de impeachment de Dilma já fez parte a convenção do PMDB, no sábado, em que o partido reconduziu o vice Michel Temer à presidência e se deu uma espécie de aviso prévio de 30 dias, durante os quais não aceitará cargo no governo e definirá a independência em relação ao Planalto. Não por acaso, neste prazo deverá ficar previsível o futuro de Dilma. O partido não foge ao estilo de manter os pés em duas canoas. Mas já conversa com tucanos sobre governo de transição.
Dilma e os ministros mais próximos, noticia-se, se curvaram ao fato estrondoso da ida às ruas em protesto contra ela, seu mentor e seu partido. Tratam de reparar as avarias, por meio de mais conversas com a base parlamentar. Deve vir por aí mais fisiologismo. A ver.
O inevitável é que o calendário do impeachment está em andamento, e amanhã se prevê que o Supremo julgue os embargos de declaração (pedidos de esclarecimento) encaminhados pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para elucidar questões sobre o rito a seguir. Estabelecidas de vez as regras do impedimento, Cunha, de costas para o Planalto faz tempo, promete ser rápido. Continua incômoda a presença na Mesa da Casa de alguém com a ficha de Cunha, investigado pela Lava- Jato, já denunciado ao STF pela Procuradoria-Geral da República, também autora de pedido à Corte do afastamento do deputado da Mesa da Câmara. Mas, esteja ou não Cunha no cargo, o processo tramitará independentemente dele.
O PT, por sua vez, insiste no mantra do “golpe”, cada vez mais desafinado, diante das evidências de que tudo tramita sob o manto da Constituição. Inclusive na Lava- Jato. E assim precisa continuar a ser. Também é inócuo o partido maldizer a “classe média”, sempre presente em momentos políticos importantes, e não só no Brasil. Por sinal, foi ela que deu o empurrão decisivo para que um Lula convertido à paz e ao amor chegasse afinal ao Planalto em 2003 e lá ficasse por mais um mandato.
Mas precisam os militantes e a cúpula da legenda procurar entender por que perdem apoio em regiões em que vinham sendo bem votados nestes 13 anos de poder. Pelo menos, nos dias que antecederam o domingo, demonstrações de arrogância de Dilma, ao falar sobre renúncia, e ameaças de Lula com sua “jararaca” não devem ter contribuído para os interesses do partido.
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