terça-feira, 5 de abril de 2016

Mirando Temer: político fobia versus a chance de um sub ótimo- Paulo Fábio Dantas Neto

- A Tarde (BA), 03/04/2016

O chamado desembarque do PMDB do Governo Dilma pode ser analisado de vários ângulos.

Escolho dois: o do significado da decisão para as relações do PMDB com o PT/Governo e o das repercussões que ela vem tendo, até aqui, sobre a crise política e sobre a hipótese de abertura de um processo de impedimento da Presidente.

Sobre o primeiro ponto, penso que a decisão não foi ponto de partida, mas de chegada. É consequência de uma relação vivida a sobressaltos desde o primeiro governo Lula. Com a banalização do presidencialismo de coalizão o conflito de interesse entre os dois parceiros foi se avolumando, atingindo o ápice nesse segundo mandato de Dilma. Com ou sem crise política, era improvável o PMDB ir a mais uma eleição municipal cozinhando o litígio em fogo brando para não contrariar a aliança nacional patrocinada por Temer. É irônico o PT apontar o dedo em direção ao Vice, acusando de golpista quem foi, até fins de 2015, o principal fiador da frágil base do governo. Foi de graça? Óbvio que não! Houve vantagens e custos políticos para o partido do fiador. Retóricas à parte, não há vilão nem bandido, só agentes disputando poder em clima político instável e pesado.

Sobre o segundo ponto, a presumida intenção do PMDB de apressar o impeachment tem batido fofo. Até aqui não há efeito dominó sobre a base do governo. Só subiu o preço de cooptação de siglas e deputados avulsos. Há efeitos bumerangue, vide o dissídio de Katia Abreu e o fisiologismo de outros ministros peemedebistas, com espaço ao jogo duplo de Renan Calheiros. Vejo duas razoes relevantes para o gesto da saída aparentar, com respeito ao impeachment, um erro decálculo.

Primeiro, um antiemedebismo endêmico beira o senso comum, na sociedade civil. Temores contra um eventual governo Temer refletem mais que terrorismo do governo, do PT e seus agentes em movimentos sociais. Formadores de opinião ­ nos meios jurídicos, jornalísticos, intelectuais e classe média universitária em geral, assim como entre trabalhadores e empresários ­ seguem jogando pedra na Geni. Após três décadas de democracia, o partido líder da transição que a pariu parece a gregos e troianos uma patologia democrática. A virtualidade de um governo Temer é fruto de golpe para quem vai às ruas de vermelho e conluio de corruptos para quem veste verde­amarelo.

A primeira percepção pode ser injusta e a segunda exagero, mas ambas têm sido eficazes para negar a essa hipotética saída a chance de nascer. E la nave va, rumo ao vácuo. De um lado, saídas “pela esquerda” miram um precipício populista; de outro, a visão de um paraíso virtuoso, vigiado pelo juiz Moro.

Há também restrições à solução Temer no âmbito de instituições de controle, inclusive na Operação Lava Jato e entre ministros do STF. Isso deveria bastar para tornar incrível a boataria de que o impeachment é via de golpe. Mas sobra teoria conspiratória e falta grande política, que o PMDB encarnou um dia e hoje se perde nos desvãos da pequena política imperante, inclusive nesse partido. Se Temer, o virtual, não se desgarrar dessa realidade e convencer a sociedade de que pode governar republicanamente, acima da guerra e do negócio, a saída do PMDB do Governo será vã para dar ao impeachment legitimidade democrática como ato inaugural de uma transição.

A segunda razão do gesto do PMDB estar batendo fofo para fins de impeachment é a insuficiência da argumentação usada para expor, na Câmara, a dimensão penal, imprescindível a que o processo seja constitucional. Os partidários do impeachment são, ao que se sabe, mais numerosos, mas até aqui não persuadem que pedaladas fiscais são delito bastante ao impedimento político da Presidente. Atacando por esse flanco, o governo reage com relativa eficácia. É do jogo. Mas isso não dá à Presidente prerrogativa de decidir se há fato penal, antecipando­se ao Congresso e se arvorando a guardiã judiciária da Constituição. Ela não enfeixará os três poderes nem se Lula for ministro.

O velho viés personalista da política brasileira tem jogado contra a moderação pragmática de uma solução provisória e sub ótima da crise. Cabe a quem quer democracia com república (e vice-versa), avançando gradativamente, interagir para incutir boas dúvidas em quem apoia, na boa fé, uma das duas rotas atuais de negação da política. Interagir com argumentos, sem medo de ser veraz.

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Paulo Fábio Dantas Neto, cientista político. Professor e pesquisador da UFBA.

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