Troca de comando
• Dilma é afastada por 55 votos, e Temer assume
• Depois de sessão no Senado que durou 20 horas, Presidência será assumida hoje pelo vice Michel Temer
Dilma Rousseff e o ministro Jaques Wagner em uma janela do Palácio do Planalto: depois do afastamento determinado pelo Senado, a petista deixará o cargo hoje cercada de movimentos sociais e acompanhada de Lula -BRASÍLIA- Na alvorada que sucedeu a uma noite aparentemente infinita, o Senado Federal, pela segunda vez desde a redemocratização, tomou a decisão de afastar do cargo um presidente da República eleito pelo voto popular, 24 anos depois da queda de Fernando Collor de Mello. A decisão, tomada por 55 votos a 22, confirmou na manhã de hoje o que já era tido como fato consumado: o afastamento de Dilma Rousseff, primeira mulher eleita presidente do Brasil, e a interrupção do ciclo de 13 anos e meio do PT no poder. Se repetido ao final do processo, esse placar, que representa mais de dois terços dos senadores, ratificará o impeachment da petista.
Hoje mesmo, Dilma será notificada e terá de abandonar suas funções. Ato contínuo, assume a Presidência o vice-presidente Michel Temer, que tem pressa em se instalar e dar início às medidas que planeja para retirar a economia da recessão. Para isso, terá inicialmente até 180 dias — prazo máximo para o Senado processar e julgar a presidente. Se ao fim do processo o impeachment for consumado, Temer assumirá a cadeira definitivamente.
Diferentemente de Itamar Franco, que em 1992 pediu o adiamento de sua posse, Temer assume o posto com o governo quase pronto e uma série de medidas preparadas para serem apresentadas imediatamente. Com um Ministério essencialmente composto de políticos, o peemedebista passa ao comando do país pregando uma pauta oposta à do PT: quer viabilizar já as reformas trabalhista e previdenciária, promover o encolhimento do Estado, reduzindo o intervencionismo que marcou os governos do PT, e estimular a participação do setor privado, especialmente na infraestrutura.
Assim, a abertura do processo de impeachment significa também a interrupção de um projeto de poder que moldou o país nos últimos anos. Ainda que o sucessor da cadeira mantenha uma gestão repleta de semelhanças na forma fisiológica de distribuir o poder.
Após a primeira mulher presidente, Temer também forma agora um Ministério totalmente composto de homens, e sem nenhum negro.
Um dia previsível
Durante todo o dia de ontem, o clima foi de previsibilidade e esgotamento com um processo que já dura mais de cinco meses e dividiu o Brasil. A maior preocupação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), era abreviar as longas horas de discursos que apenas prolongariam a chegada a um resultado já conhecido. Tentativas, todas elas, frustradas. Sem qualquer pretensão real de alterar o desfecho da votação, senadores aliados ao governo insistiam em discursos de 15 minutos com a perspectiva de verem, no futuro, suas posições “contra o golpe” registradas nos livros de História. A oposição tampouco economizou. Assim, a sessão acabou durando cerca de 20 horas e só se encerrou às 6h34 de hoje.
No início da tarde, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki sepultou a única esperança que ainda restava ao governo de adiar seu fim. Também relator da Operação Lava-Jato — que contribuiu de forma definitiva para o enfraquecimento do PT —, o ministro negou liminar pedida pelo governo para anular todo o processo de impeachment. A partir de então, restou aos senadores da minguada base de Dilma investir em falas duras contra os adversários.
Na longa sessão, o tom foi sensivelmente mais solene que o espetáculo esdrúxulo visto na Câmara em 17 de abril, quando os deputados aprovaram a abertura do processo. Chamou mesmo a atenção o discurso do expresidente Collor, hoje senador, que apontou “irresponsabilidades” cometidas pelo governo Dilma e revelou que “alertou” a presidente sobre a possibilidade de sofrer um impeachment, do alto de sua experiência como alvo desse processo. Em uma espécie de desabafo, com atraso de mais de duas décadas, Collor reclamou pelo fato de o rito do impeachment que sofreu ter sido tão mais curto que o de Dilma. E fez seu próprio diagnóstico do momento, que considera o “ápice de todas as crises”: “Vivemos espasmos da democracia”.
Enquanto os senadores discursavam, apenas uma pequena manifestação na Câmara dava uma demonstração do que Temer poderá enfrentar daqui para frente. Com cartazes e um enorme banner onde se lia “Temer jamais será presidente. Sempre golpista”, um grupo de parlamentares e assessores do PT e do PCdoB fazia o derradeiro ato contra o impeachment antes de o Senado aprovar o afastamento de Dilma. “Temer, o ilegítimo” era o mote da campanha.
Do lado de fora do Congresso, a fraca mobilização popular pouco lembrava os milhões de brasileiros que foram às ruas nos dias que precederam a aprovação pela Câmara. Mas a ausência de mobilização popular não deve ser interpretada como um sinal de que Temer navegará por águas plácidas.
Se por um lado o peemedebista poderá contar com “alguma lua de mel”, conforme previu ontem o tucano e neoaliado Aécio Neves, por outro, terá a militância da esquerda — que encontrou na luta contra o impeachment a coesão que não tinha há tempos — sempre a postos na tentativa de derrubá-lo. E não somente nos 180 dias que podem durar o processo até o julgamento final de Dilma Rousseff. A promessa é manter-se no front enquanto durar sua estadia no Palácio do Planalto.
A ascensão do vice peemedebista ao poder, novamente por via indireta, como ocorreu com Itamar Franco em 1992, põe fim a 22 anos de polarização entre PSDB e PT como protagonistas nacionais. Como resultado, abre-se ampla margem de incertezas sobre o surgimento de novos personagens no cenário das eleições de 2018.
Em sua despedida, Dilma deve deixar o cargo hoje cercada de movimentos sociais e acompanhada por aquele que a trouxe pelas mãos ao Planalto, o expresidente Lula. Com o ocaso do PT, torna-se incerto o futuro do lulismo, que chegou a ser aprovado por oito em cada dez brasileiros. No exterior, as dúvidas sobre o futuro do país também reverberam. Ontem, no Vaticano, o Papa Francisco voltou suas orações ao país, ressaltando o “momento de dificuldade”, e pediu iluminação divina para que o Brasil siga por estradas de harmonia e de paz, com a ajuda da oração e do diálogo. Diálogo que, hoje, é um grande desafio diante do cenário de ruptura que marcou o processo de impeachment.
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