• Entre cassar a eleita e deixar ficar um governo desastroso
- Valor Econômico
É a pergunta recorrente em Brasília, hoje. Uma cidade órfã da política e dos políticos, com uma Câmara Distrital reconhecidamente recordista do baixo nível, que demorou a absorver o fato de que teria vida política autônoma e, mais tarde, começou a se reconciliar com a ideia a partir do surgimento de candidatos de padrões normais, identificados com grandes segmentos da população. O principal deles foi o hoje senador Cristovam Buarque, que passou pelo PT, pelo PDT e agora está no PPS, um quartel general de pernambucanos como ele.
Quando no PT, Cristovam foi ministro da Educação, sua área de afinidade para a qual prega desde sempre uma revolução, mas foi demitido por telefone enquanto estava em viagem ao exterior. O PT queria o posto para fazer média com outra ala, a de Tarso Genro, que lá chegando demitiu todo o staff de Cristovam, mostrando logo o método das facções petistas.
Candidato ao governo do DF, e depois ao Senado, Cristovam, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex chefe da Copag, o grupo de trabalho que preparou planos de governo e dados para Tancredo Neves, foi sempre um político identificado com a classe média, os universitários e acadêmicos, os professores, o chamado voto de opinião do Plano Piloto, o centro da capital onde se instala o governo federal.
A maior parte desse eleitorado fez campanha pelo impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, esteve contra o PT, produziu votações majoritárias em campanhas presidenciais para Ciro Gomes, em uma eleição, para Marina Silva, na outra, para Aécio Neves numa terceira.
Esse foi o cenário e o contexto em que o senador proferiu seu voto pela admissibilidade do processo de impeachment, na tarde do 12 de maio, com um discurso do qual se falava, no dia seguinte, como tendo sido o melhor. A certa altura, dizia o senador: "Não fui eu que mudei. Foi a esquerda que envelheceu, não eu. A esquerda que está há 13 anos no poder, e o que demonstra é um desapego à democracia, manipulando, cooptando, criando narrativas ao invés de análises. Com a preferência pelo assistencialismo ao invés do uma preferência por uma transformação social".
Foi o que bastou para todos concluírem que ele votaria pelo impeachment, antes e depois.
De lá para cá, as declarações do senador, seus discursos, as respostas que dá aos pedidos de definição têm criado uma situação de dubiedade. Ninguém sabe como ele vai votar, e repetem-se as indagações a quem acham que o conhece: o que está acontecendo com o Cristovam?
O jornalista Carlos Marchi publicou em seu blog uma carta, respondida pelo senador, em que manifesta sua perplexidade: como, ainda não definiu se vai votar pelo impeachment? Outro jornalista, Bob Fernandes, mandou recado por amigos comuns: como é possível que o Cristovam esteja pensando em votar pelo impeachment! Ao dar sua interpretação a esses recados, o senador conta que acabara de passar pelo corredor do Senado, que leva ao plenário, e umas dez pessoas o pararam. A metade pedia para não mudar o voto. "Mudar como? Ainda não votamos! E pela admissibilidade já votei, não tem como mudar". Outros diziam: "não deixe seu nome ficar comprometido com os golpistas".
Está aí uma questão sobre a qual não há dúvidas: "Expliquei: golpe não houve. Está tudo sendo feito dentro dos mais rígidos rigores da lei. O fato de Romero Jucá chegar a pensar em parar a Lava-Jato trocando de presidente, isso não tem nada a ver com a causa do impeachment. O impeachment é admitido por causas internas do governo".
Então, volta-se à pergunta das ruas, de quem não está entendendo: o que está acontecendo com o Cristovam?
"Não tem golpe, mas tem uma decisão muito séria a ser tomada, esse é o voto mais importante que vou dar em todo o meu tempo de senador: Cassar uma presidente que foi eleita, ou deixar continuar o desastroso governo dela".
Não poderia, a seu ver, ter havido a confusão com a votação pela admissibilidade do processo de impeachment. "Está claro que não é a mesma coisa. Uma coisa é, abre-se o julgamento. Isso eu fui, sou e estou convicto de que é correto abrir. Não podemos jogar debaixo do tapete não só a possibilidade, fortalecida por suspeitas, de que houve crime, e nem também jogar para debaixo do tapete tudo de ruim do conjunto da obra do governo".
Cristovam Buarque argumenta que faz parte da comissão do impeachment. "Se cada senador já comunica seu voto, então a comissão de que eu faço parte é uma farsa. Se todos já têm sua posição, por que a gente vai ver provas? Por que vai ouvir testemunhas? A defesa da Dilma só chega amanhã. E já querem que a gente decida como vai votar"?
Mas a argumentação continua e, aí, mais confusão: "Eu levo a sério esse negócio de impeachment. Não é brincadeira cortar o mandato de uma pessoa que teve 54 milhões de votos, e não é brincadeira deixar continuar um governo que quebrou as contas nacionais, fez gestos insensatos de gestão".
O pensamento do senador leva a uma constatação óbvia: ao contrário da grande maioria dos políticos, acha possível a volta de Dilma ao governo, uma vez que não aprovar o impeachment é uma de suas alternativas. Mas..."Se ela voltar, volta em condições muito piores. Pelo interregno, o Brasil estará pior, terá que mudar outra vez os ministros, a credibilidade não virá. O principal fator hoje em jogo é quem dá mais credibilidade".
Há um grupo de senadores do PT que prometem uma Dilma diferente na volta, ela faria um grande acordo, um pacto, convocaria eleições gerais. "E quem garante? Estaria voltando enfraquecida, por uma decisão que nós senadores tomamos, de admitir o afastamento. Tem um projeto meu de emenda para fazer uma regra que o presidente em julgamento fica dentro do mandato".
Mas, admite o senador, quem pode se enfraquecer é o Michel Temer. "Dilma será julgada pelo crime que teria cometido, mas também pelo conjunto da obra. O Temer chegou à Presidência pela Constituição, porque era o vice. Na hora de julgar Dilma, o conjunto da obra do governo Temer entra também. Serão levados em conta: inflação, emprego, corrupção, comparando os dois governos".
"Se estivéssemos no parlamentarismo, eu não teria a menor dúvida sobre o voto de desconfiança ao governo Dilma". Assim, entendidos ficamos sobre o que está acontecendo com Cristovam.
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