sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Para analistas, mudanças dão mais força a sindicatos para negociar

• Proposta foi bem recebida por empresários, mas criticada pela CUT

Marcello Corrêa, João Sorima Neto - O Globo

-RIO E SÃO PAULO- Se aprovada, a minirreforma trabalhista apresentada ontem pelo governo deve tornar mais importante o papel dos sindicatos na negociação entre trabalhadores e empregadores. Segundo economistas e advogados, o projeto de lei viabiliza que as partes fechem acordos, sem a insegurança de ter o contrato contestado pela Justiça. Mas eles destacam que há um risco de desequilíbrio das relações de trabalho, principalmente em momentos de recessão econômica, como o atual.

Especialista em relações do trabalho, o sociólogo e professor da USP José Pastore acredita que as mudanças ajudam a equiparar as regras brasileiras àquelas adotadas em outros países. Segundo ele, já há casos em que sindicatos e empregadores tentam estabelecer acordos diretamente, sem necessariamente seguir a CLT, mas encontram barreiras em uma legislação rígida.

— É uma mudança de filosofia que está se implantando no Brasil na área trabalhista. O país passa a participar do planeta. No mundo inteiro, as partes têm liberdade para negociar, e o que elas negociam vale como se fosse lei. Aqui no Brasil, isso já vale para várias áreas. Se você vai alugar um carro, comprar uma casa, assina-se o contrato e ele vale no dia seguinte. Nas relações de trabalho, as partes negociam, assinam o acordo e no dia seguinte a Justiça vem e anula — critica.

FALTOU A TERCEIRIZAÇÃO
O economista admite que é possível que, em cenários de crise, os trabalhadores sejam obrigados a ceder mais nas negociações. Mas pondera que esse desequilíbrio na relação pode ser ajustado em futuros acordos.

— Se por acaso, por causa da conjuntura, as partes acharem que têm de entrar num regime de concessões, isso não é para o resto da vida. É enquanto durarem os acordos. Se as partes acharem que fizeram bobagem, não renovam — observa.

Hélio Zylberstajn, professor de Economia e Relações do Trabalho da USP, destaca como ponto positivo a permissão para que os sindicatos tenham representantes dentro das empresas, o que pode aumentar a capacidade de negociação entre as partes. Ele alerta, no entanto, para a baixa representatividade das entidades perante suas categorias:

— Um problema é não ter nenhum requisito de representatividade do sindicato. Acho que precisaria ter um critério, que eles tivessem como sócios metade mais um dos trabalhadores que representam.

O advogado Luiz Marcelo Góis, sócio da área trabalhista do BMA — Barbosa, Müssnich, Aragão, concorda. Ele defende a possibilidade de que mais sindicatos disputem trabalhadores, o que hoje não ocorre:

— O que a gente está fazendo é metade do caminho. A outra metade é extinguir a unicidade sindical. Vamos ter ainda problema de representatividade.

Pastore, no entanto, sentiu falta de um item:

— Uma coisa que falta ser resolvida é a terceirização, que está encantada no Congresso. O Supremo está dando sinais positivos, mas o Poder Legislativo precisa avançar nessa questão.

Empresários elogiaram a proposta. O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, disse em nota que a minirreforma traz mudanças importantes e positivas. Para ele, com pequenos ajustes, essas mudanças irão aumentar a oferta de emprego, por meio da negociação entre sindicatos e empresas, permitindo adaptar as condições de trabalho às características específicas dos diferentes setores da economia. “Essa iniciativa fortalece os sindicatos, que agora terão mais instrumentos para promover os interesses do emprego e dos trabalhadores”, afirmou Setubal.

Já a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), afirmou, também em nota, que a proposta, “ao permitir a adequação das jornadas à produção, contribui para a preservação de empregos e o aumento da competitividade das empresas”.

Entre os sindicatos, o projeto dividiu opiniões. De oposição ao governo, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) classificou as medidas como ineficazes, inoportunas, autoritárias e “que não resolvem o problema do Brasil”. Em nota, diz que os principais problemas do país hoje são a estagnação econômica, a crise da indústria e o desemprego. Para a CUT, a minirreforma é inoportuna, porque está fora da realidade, e o fato de ter sido anunciada às vésperas do Natal, “demonstra a falta de compromisso” com a classe trabalhadora.

A entidade também criticou a falta de debate: “Ao contrário do que disse o governo Temer, não é verdade que a CUT foi chamada em algum momento para negociar mudanças na legislação trabalhista”, afirmou.

Já o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (Solidariedade), que integra a base do governo Michel Temer, elogiou a maior parte das medidas. Para ele, a reforma facilita as negociações entre patrões e empregados, dando força a ambas as partes.

— No geral, a maior parte das medidas é positiva — afirmou Paulinho da Força.

Ele destacou a possibilidade de negociar a jornada de trabalho e de se trabalhar um dia a menos, mantido o limite de 44 horas semanais. O parlamentar citou ainda a permissão para flexibilizar o horário de almoço, que hoje é de uma hora. Pela proposta do governo, esse tempo poderia ser diferente, desde que fosse de, no mínimo, 30 minutos.

— Para quem trabalha em horários de turno de revezamento, o intervalo era de uma hora, e os empregados trabalhavam de segunda a sábado. Com a possibilidade de reduzir o intervalo, o trabalhador poderá trabalhar um sábado sim, outro não. Já tínhamos negociado a redução do intervalo, mas a Justiça sempre barrava, exigindo mínimo de uma hora. Agora isso muda, para melhor — disse.

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