domingo, 9 de abril de 2017

O comissariado ouviu o povo e assustou-se | Elio Gaspari

- O Globo

A Fundação Perseu Abramo, do PT, fez uma pesquisa que chamou de “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”. Um mergulho na alma política de famílias da classe média baixa (renda familiar de até cinco salários-mínimos, R$ 4.685), gente que votou no PT de 2000 a 2012, mas não foi atrás de Dilma Rousseff em 2014, nem de Fernando Haddad em 2016. Os 63 entrevistados foram divididos em cinco grupos, e 20 entrevistados haviam sido beneficiados por programas sociais dos governos petistas, do Bolsa Família ao ProUni.

O resultado da pesquisa está na rede. Ele surpreendeu muita gente, até mesmo os redatores do relatório final. Verdadeiro Apocalipse: “As camadas populares passaram a se identificar mais com a ideologia liberal que sobrevaloriza o mercado”.

Esse morador da periferia acredita que o Estado é o inimigo do povo, pois arrecada impostos e não devolve serviços, confia no mérito e no esforço pessoal para melhorar a vida das pessoas: “Muitos assumem o discurso propagado pela elite e pelas classes médias, apontando a burocracia e os altos impostos como empecilhos para o empreendedorismo”.

Hoje, uma mulher branca, de 30 anos, acha que a política está contaminada e seria bom “jogar tudo no lixo”. Se aparecesse diante dos comissários de hoje um jovem viúvo da periferia do ABC dizendo que os partidos políticos são “farinha do mesmo saco”, defendendo o fim da unicidade sindical, dizendo que a Consolidação das Leis do Trabalho é uma bola de ferro amarrada à perna do trabalhador, eles certamente veriam nele um seguidor da “agenda definida pela mídia hegemônica”.

Pena, nos anos 70 esse personagem chamou-se Luiz Inácio Lula da Silva, que foi o Baiano e o Taturana, antes de virar o Lula de todos os santos. Foi com o discurso do operário que precisa de direitos e oportunidades que ele virou uma liderança nacional. Acredite-se, houve um tempo em que Lula cavalgava uma agenda moderna.

A Fundação Perseu Abramo é uma das poucas áreas instigantes do pensamento petista, e sua pesquisa ajudará a entender um povo em nome do qual muita gente fala, desde que não precise ir às quebradas onde ele vive.

Temer e sua aula de paz política
A política brasileira atingiu tamanho grau de beligerância que palavras como “negociação”, “acordo” e “compromisso” foram substituídas por “desfigurado”, “recuo” e “ofensiva”.

O governo teria recuado na defesa de seu projeto de reforma da Previdência, que poderia vir a ser desfigurado pelos parlamentares. Essa ilusão parte de duas premissas erradas. Uma, de natureza subjetiva, supõe que Michel Temer seja burro, muito burro. Aos 76 anos, com cinco mandatos de deputado (sempre com poucos votos), tendo presidido a Câmara em três ocasiões, por burrice, Temer mandou ao Congresso um projeto de reforma que não podia defender. A segunda ilusão, de natureza objetiva, supõe que o Congresso Nacional é uma empresa de consultoria. Ele pode ser um horror, mas é um poder da República, depositário da vontade popular e, ao longo da História, produziu menos desastres que os sábios da economia.

Temer mandou à Câmara um projeto para ser negociado. Ofereceu um obsequioso silêncio aos deputados de sua base que propuseram emendas alterando a proposta original. Faz tempo, quando Fernando Henrique Cardoso temeu pelo naufrágio de sua reforma da Previdência, chamou Temer para salvá-la. Depois culpou-o pelas mudanças, mas até isso é do jogo. (Nessa época, o doutor aposentou-se aos 55 anos.)

Desde o primeiro momento podiam-se ver dois grandes bodes da proposta: os 65 anos para a aposentadoria das mulheres e a tunga nos aposentados rurais. O que há é o exercício saudável da negociação.

SuperGilmar
O ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, passará o feriadão do suplício do Nazareno em Portugal, coordenando um seminário de notáveis promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público, entidade privada da qual é bem sucedido sócio fundador.

Entre os patrocinadores do evento de Gilmar estão a Federação do Comércio do Rio de Janeiro, a Associação de Empresas de Saneamento Básico Estaduais e a Itaipu Binacional. Os repórteres Beatriz Bulla e Fábio Fabrini mostraram que, alem de terem vínculos direto ou indiretos com a bolsa da Viúva, esses três beneméritos têm processos tramitando no Supremo Tribunal.

Concluído o seminário, le ministre voará até Paris, para acompanhar a election française.

Sabem tudo
Os marqueteiros Duda Mendonça e João Santana começaram a colaborar com a Justiça. Compreensivelmente, o Ministério Público quer que eles contem as malfeitorias que estão sendo investigadas. Contudo, ambos são mais que isso, verdadeiros arquivos dos métodos de todas as campanhas dos últimos 25 anos.

Duda simboliza a erosão da impunidade nacional e do sabe-com-quem-você-está-falando. Em 2003, na condição de marqueteiro do presidente Lula, ele foi preso numa rinha de galos na Baixada Fluminense. Não perdeu tempo e ligou para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, narrando o absurdo que estava acontecendo.

Você precisa de um advogado, disse-lhe o sábio Márcio, encerrando a conversa. Dois anos depois, apanhado no mensalão, viu-se absolvido pelo Supremo Tribunal Federal.

Passou o tempo e o poderoso Duda decidiu cantar.

Intervenção no Rio
Argumenta-se que Temer não pode recorrer à intervenção federal porque ela paralisaria a tramitação da emenda constitucional da reforma da Previdência.

Falso. Em 1997, quando Alagoas passou por uma situação semelhante, o ministro Celso de Mello presidia o Supremo Tribunal e disse a Fernando Henrique Cardoso que a intervenção não deveria paralisar a reforma constitucional que tramitava no Congresso.

Bastaria paralisar a sua promulgação.

Madame Natasha
Madame Natasha concedeu uma de suas bolsas de estudo aos redatores do relatório da pesquisa da Perseu Abramo sobre os moradores da periferia, pela seguinte palavra de ordem:

“O campo democrático-popular precisa produzir narrativas contra-hegemônicas mais consistentes e menos maniqueístas ou pejorativas sobre as noções de indivíduo, família, religião e segurança.”

A senhora acha que eles quiseram dizer o seguinte:

“Vamos parar de dizer tolices sobre indivíduos, família, religião e segurança.”

O preço da lista
O deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresentou o seu projeto de reforma política informando que “democracia custa caro”. Ele propõe o voto de lista, pelo qual o eleitor perde o direito de escolher o candidato em que vai votar. Se isso fosse pouco, as campanhas dos partidos ainda deverão ser financiadas. O dinheiro dos impostos abastecerá um fundo eleitoral de R$ 2,2 bilhões. (Nada a ver com os R$ 820 milhões torrados pelo Fundo Partidário.)

O PT insiste no voto de lista há cerca de dez anos e só recentemente teve o apoio de uma banda do PSDB e do PMDB. Da última vez que essa girafa foi a voto, mandaram-na ao arquivo por 402 votos contra 21.

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