O Globo
Será que o ministro Paulo Guedes acredita
mesmo que a economia brasileira está decolando ou apenas tenta criar uma
narrativa otimista para esconder um enorme fracasso?
É intrigante: não há como responder.
Por um lado, os números são avassaladores.
Eliminados os indicadores que parecem positivos por causa da comparação com uma
base muito baixa, o ano passado, o resto aponta para uma paradeira inequívoca.
Números do PIB trimestral (duas quedas seguidas), da produção industrial mensal
(cinco quedas em série), do Índice de Atividade Econômica do Banco Central
(duas quedas seguidas), do varejo e dos serviços — tudo do IBGE — mostram que,
numa visão generosa, a economia está estabilizada em torno de zero. Às vezes
cresce um pouco acima, outras um tanto abaixo.
Na verdade, a discussão relevante entre economistas do primeiro time — de visões variadas — trata do seguinte: o Brasil se encaminha para a estagnação, a recessão ou estagflação?
Sim, porque a inflação, passando dos 10% ao
ano, já comeu nada menos que 11% da renda do trabalho, reduzindo drasticamente
a capacidade de consumo das famílias.
Como o ministro Guedes poderia desconhecer
esses fatos? Entretanto, na última quinta-feira, ao comentar os dados do PIB,
ele disse que a B3 (a Bolsa brasileira) havia subido 3% em comemoração aos bons
resultados da economia real e do equilíbrio das contas públicas.
Ora, como um economista do mercado
financeiro, Guedes tinha de saber que aquela alta foi episódica, provocada por investidores
que foram às compras de pechinchas. No ano, até novembro, a B3 caiu 14% em
reais e quase 20% em dólares. É o pior desempenho entre países relevantes.
Quanto às contas públicas, ficou evidente
que a PEC dos Precatórios é uma manobra para legalizar o estouro dos gastos e o
rompimento do teto orçamentário.
Com esse conjunto de indicadores, é preciso
concluir que Guedes sabe, sim, que a economia vai devagar quase parando, mas
inventa uma narrativa para agradar ao chefe e sua turma. É verdade que esse
pessoal é ignorante em economia (e em muitas outras coisas, inclusive saúde),
mas a narrativa é tão descolada da realidade, tão absurda, que leva as pessoas
de mínimo bom senso a perguntar: o ministro perdeu o juízo?
Ou, por outro lado: não é possível que
Guedes, com seu conhecimento de economia e mercados, creia que alguém (fora da
turma de fanáticos) acreditará nessa incrível farsa.
Então, como ficamos?
Hipótese: a economia brasileira
deteriorou-se muito rapidamente neste segundo semestre. No início do ano,
esperava-se um PIB crescendo acima de 5%, mais 2,5% em 2022, com inflação
controlada e juros reais baixos.
Hoje, mudou tudo. A inflação segue em alta
persistente e espalhada, os juros em rota de elevação, o risco Brasil também
subindo, e o real como moeda mais desvalorizada entre os emergentes. Mesmo com
o avanço da vacinação.
De onde vem essa deterioração? Há fatos: a
crise hídrica, que fez aumentar a tarifa de energia, e a alta do petróleo (e,
pois, da gasolina, do gás e do diesel). Mas o preço da energia em geral subiu
no mundo todo, e muitos países relevantes, mesmo com inflação mais alta, mantêm
bom ritmo de crescimento.
Qual a diferença?
O governo.
A gestão Bolsonaro não é “apenas”
politicamente equivocada. É de uma incompetência brutal. E destruidora.
Acrescente a isso a entrega dos cofres públicos à turma do Centrão — e, pronto,
está explicada a enorme falta de confiança que se observa no país.
Isso deve ter virado no avesso a cabeça do
ministro Guedes. Ou o que mais seria?
E, por falar em cabeças viradas no avesso,
Lula entrou no debate para dizer que o Brasil estava num momento raro,
histórico, de crescimento zero. Deve estar fazendo contas de 2017 para cá, pois
em 2015 e 2016 o país acumulou uma queda de quase 8% do PIB, consequência da
gestão devastadora de Dilma Rousseff.
Lula também não lembra a corrupção na
Petrobras, assim como os Bolsonaros juram que não tem rachadinha.
É isso aí. Estamos entre birutas,
esquecidos e/ou farsantes.
2 comentários:
Sardenbergh sempre lúcido. Análise mais que correta.
Sardenbergh sempre lúcido.
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