domingo, 19 de fevereiro de 2023

Elio Gaspari - A rede Americanas quer sobreviver

O Globo

Depois de examinar as contas da rede varejista Americanas, os três grandes acionistas da empresa dispuseram-se a colocar R$ 7 bilhões no negócio. Os credores acharam pouco.

(Dias antes a oferta estava em R$ 6 bilhões.)

Bilhão para cá, bilhão para lá, é provável que a Americanas sobreviva, encolhendo. Ela sairia do mercado de vendas eletrônicas e voltaria a ser uma simples rede de lojas, onde o freguês entra, pega a mercadoria, paga e vai embora.

A Americanas foi depenada numa fraude duradoura. As investigações dirão quem sabia o quê e quem levou quanto. O mercado sempre soube que a Americanas espremia os fornecedores espichando por meses os pagamentos.

Até agora, os números mostram o seguinte:

Nos últimos dez anos, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, os grandes acionistas, receberam R$ 500 milhões em dividendos e investiram R$ 1,5 bilhão sob a forma de aumentos de capital. Nenhum dos três vendeu ações da Americanas.

Nesse mesmo período, os executivos da empresa receberam, só de bônus por desempenho, R$ 700 milhões.

(Que desempenho? Se a ideia era cortar custos porque, como as unhas, eles sempre crescem, agora estão querendo arrancar as unhas alheias.)

Entre agosto e setembro, quando se tornou público que a Americanas seria dirigida por Sérgio Rial, um executivo vindo do banco Santander, diretores da empresa venderam R$ 244,3 milhões de ações.

(No final de 2022 a Americanas capotou, indo do lucro para o prejuízo.)

Nos últimos dez anos os bancos foram felizes parceiros da Americanas e, em operações de crédito legítimas, ganharam algo como R$ 20 bilhões.

Como disse Carlos Alberto Sicupira numa palestra energizadora para papeleiros:

“O Brasil não será Estados Unidos. Porque o Brasil é o país do coitadinho, do direito sem obrigação e é o país da impunidade. Isso é cultural. Não vai mudar.”

Essa frase ecoa o príncipe de Salinas do romance “O Leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, explicando a grandeza e decadência da Sicília. Com um rombo estimado de R$ 40 bilhões, o caso da Americanas tem coitadinhos demais. Cada um exerceu seus direitos. Resta agora saber se a Comissão de Valores Mobiliários lhes mostrará o tamanho de suas obrigações e responsabilidades.

A arrogância das Big Techs

A repórter Paula Soprana revelou que o TikTok entregou ao Tribunal Superior Eleitoral um relatório informando ter derrubado 10.442 vídeos impróprios durante os ataques golpistas do 8 de janeiro e nos dias seguintes. Boa notícia.

E as outras plataformas? O Kwai diz que não pode abrir esses números. A Meta (dona do Facebook e do Instagram), bem como o Youtube, Telegram e o Twitter, também não se manifestaram. Má notícia.

As empresas que controlam essas plataformas estão numa atitude suicida. Como empresas não se matam, pois quem as mata são seus diretores, eles correm o risco de se transformar em cúmplices de golpismo, mentiras e difamações. Nada custaria divulgar números como os do TikTok.

O silêncio arrogante que esses doutores vestem ao discutir o uso impróprio dos serviços de suas empresas poderá alimentar avanços contra a liberdade de expressão. Sabe-se que o governo cozinha um instrumento legal para barrar a utilização das redes sociais como instrumento de mobilizações golpistas, mentirosas e difamadoras. A arrogância de uns poderá ser usada para satisfação de outros.

As plataformas usadas para organizar a “festa da Selma” de 8 de janeiro foram instrumentais para a prática de crimes. Se um sujeito usa um Volkswagen para assaltar um banco, a Volks não tem nada a ver com isso, mas se uma locadora de fuscas sabe que seus carros estão sendo usados em assaltos, nada lhe custa colaborar com a polícia entregando-lhe a lista dos locatários.

O sacrossanto juiz Oliver Wendell Holmes, da Corte Suprema dos Estados Unidos, matou essa charada em 1919. Num voto que se tornou pedra angular na defesa da “livre troca de ideias”, ele ressalvou que ela “não protege o cidadão que falsamente grita ‘fogo’ num teatro cheio.”

Além dessa ressalva ilustrativa, Holmes criou o conceito de “perigo claro e presente”. O pessoal que no dia 8 de janeiro ia para a “festa da Selma” levava consigo uma proposta explícita (ocupar o Congresso, o Planalto e o STF). Quem invadiu os prédios delinquiu e as mensagens por eles trocadas são provas da participação num crime. Nada a ver com liberdade de expressão.

Os doutores das Big Techs defendem o negócio de suas empresas. Devem lembrar que sempre há algum mentiroso protegendo-se atrás da liberdade de expressão e, do outro lado, sempre há alguém querendo esconder a verdade e buscando proteger-se com a censura.

Quando recusam-se a revelar até mesmo quantos vídeos impróprios derrubaram nos dias em que o Brasil passou por uma tentativa vandálica de golpe de Estado, levam água para o monjolo da turma que gosta de censura.

Bolsonaro no Wall Street Journal

Na sua entrevista à repórter Luciana Magalhães, do The Wall Street Journal, Bolsonaro fez uma espécie de mea culpa em relação à sua conduta diante da Covid. Afirmou que se pudesse voltar no tempo, “eu não diria coisa nenhuma, deixaria o assunto para o ministro da Saúde”.

É pouco. A responsabilidade de Bolsonaro numa pandemia que matou cerca de 700 mil pessoas foi muito além das palavras. Em ações concretas, como presidente e no exercício de suas atribuições, demitiu dois ministros da Saúde e um diretor da Polícia Rodoviária Federal que lastimou a morte de um agente.

Além disso, forçou a fabricação de quatro milhões de comprimidos de cloroquina.

Números do ouro

A Polícia Federal estima que entre 2020 e 2022 o garimpo ilegal tenha extraído 13 toneladas de ouro da Amazônia.

Dito assim, é mais um número. Estima-se que em cinco anos a mina de Serra Pelada tenha produzido 30 toneladas. Em 1983, seu melhor ano produziu 17 toneladas.

Entre 1735 e 1755, no apogeu do ciclo do ouro, as minas brasileiras produziam cerca de 15 toneladas anuais.

Fazendo a conta de outro jeito, os grandes acionistas da rede Americanas ofereceram um aporte de R$ 7 bilhões. São 22,5 toneladas de ouro.

Guarda Nacional

Subiu no muro a ideia da criação, neste ano, de uma Guarda Nacional para proteger áreas do Distrito Federal, fronteiras e sabe-se lá o que mais.

Seus defensores reconhecem a dificuldade para aprovar a emenda constitucional necessária para sua formação.

Nas Forças Armadas, a simpatia pela ideia é nula.

Alívio

De um diplomata que serve no exterior e veio ao Brasil em férias:

“Minha vida mudou, há um mês passei a circular durante as recepções sem receio de entrar numa conversa constrangedora com um colega.”

 

4 comentários:

Anônimo disse...

O valor do ouro:
o colunista está calculando com base no que o garimpeiro ilegal recebe do primeiro comprador ilegal dono do garimpo? Ou com base no que o cliente legal paga no mercado legal que legalizou e dissimulou todos os crimes anteriores? O valor é "um pouco" diferente no começo ou no final da sequência de transações!

Anônimo disse...

"Nas Forças Armadas, a simpatia pela ideia (guarda nacional) é nula."

Então a ideia é EXCELENTE pro Brasil. As FA são inúteis. Precisamos, sim, dos recursos gastos nesse poço sem fundo.
Pensem: uma guarda nacional custa muito menos do q todas as nossas FA juntas ou separadas.
E as FA ainda são golpistas.

Anônimo disse...

Nada de novo sob o sol.
Gaspari já a soldo dos bilionários!

ADEMAR AMANCIO disse...

O ouro vale ouro.