O Globo
O Brasil está confuso porque não há mais
pudor para se tomar certas atitudes em nenhum dos três Poderes
A recente pesquisa Datafolha que mostrou a
manutenção da polarização eleitoral entre petistas e bolsonaristas já no final
do primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula não surpreende porque,
mesmo diante de uma aparente tranquilidade na economia, não aconteceu nada de
novo no país além da disputa entre Lula e Bolsonaro.
O sentido de vingança contra os que
tramaram um golpe antidemocrático só fortalece o espírito dos golpistas, que
alimentam a esperança de que, em 2026, as urnas trarão de volta seu líder
através de uma persona a ser eleita em seu nome. Para quem é bolsonarista, nada
do que está sendo apontado contra Bolsonaro cola. Nada aconteceu, Bolsonaro
está sendo perseguido, acreditam, apesar das evidências.
É a mesma coisa com os lulistas: nada mexe com eles em relação aos erros do governo Lula e do PT. Essa situação só se alterará se as pessoas que se disseram de centro na pesquisa – 21% dos pesquisados, e é um bom começo - tiverem representatividade e lideranças que possam oferecer alternativas a essa polarização. Por enquanto, não aconteceu, assim como nas duas eleições anteriores, e Lula e Bolsonaro vão continuar disputando a hegemonia, mesmo Bolsonaro não estando elegível.
Se continuar nessa toada, o candidato do
grupo dele vai disputar com o PT a reeleição de Lula, ou a tentativa de eleger
o ministro da Fazenda Fernando Haddad presidente. E o centro, que votou majoritariamente
em Lula porque considerou perigosa a reeleição de Bolsonaro, vai decidir de
novo. Temos que ver o que os centristas vão achar do governo Lula, cuja
avaliação está no momento equilibrada – 38% de aprovação, 31% de reprovação.
Lula tem vantagem por estar no governo, e por enquanto consegue entregar uma
perspectiva de melhoria na economia, embora não estabilizada. Estarão atentos
para denunciar desvios de quaisquer dos lados, esperando que surja alguém para
quebrar essa polarização, que serve aos dois líderes populistas, mas não é boa
para o país.
Veja-se o que acontece na relação do
Executivo com o Congresso. O Brasil está fazendo uma reforma ministerial
envergonhada e vergonhosa. O ministério do Esporte sofrerá uma mudança para
justificar o apetite do Centrão: vai tratar da legalização de jogos no país e,
a partir daí, gerar uma fortuna para administrar.
Agora está também em andamento no Congresso
uma minirreforma eleitoral que chega a ser difícil de acreditar que tenham
coragem de fazê-la. Mas não há quem se confronte com ele, um poder da República
que, se questionado no Supremo Tribunal Federal (STF), já se sabe a decisão:
esta é uma questão interna do Congresso. O governo não pode criticar, nem
orientar o PT a votar contra, porque o partido vai se beneficiar diretamente
das mudanças e o governo está se entregando ao Centrão numa negociação
envergonhada.
A cada quatro anos o Congresso faz uma
reforma eleitoral para perdoar todos os que infringiram a legislação e mudar as
regras. Como a falta de pudor predomina, agora estão dando uma anistia dos
últimos 30 anos, e ao mesmo tempo reduzem os incentivos às candidaturas de
mulheres e negros. É um retrocesso brutal. E é uma garantia aos próximos
parlamentares de que podem fazer qualquer coisa, que um dia será tudo liberado
e anistiado. Não há mais dúvidas quanto a isso.
O Brasil está muito confuso, porque não há mais
pudor para se tomar certas atitudes em nenhum dos três Poderes, não há mais
distinção entre o que é público e privado. O ministro da Justiça, Flavio Dino,
para não deixar o presidente Lula pendurado na broxa, confirmou a intenção de
analisar a retirada do Brasil do Tribunal Penal Internacional (TPI), aquele
mesmo que Lula disse nem se lembrar que existe, mas para o qual nomeou uma
juíza em 2003. Isso para agradar a Putin. O governo faz o que quer, o
Legislativo e o Judiciário também. É uma troca, de acordo com a vontade pessoal
de cada um dos integrantes dos três Poderes. E la nave va.
2 comentários:
REFLEXÃO POTENTE !
■A reflexão de Merval Pereira no texto "SEM RUMO - O Brasil está confuso porque não há mais pudor para se tomar certas atitudes em nenhum dos três Poderes.", publucado meste domingo no jornal "O GLOBO" é uma reflexão potente!
▪Merval pegou só no atacado, sem esmiuçar temas, pessoas, políticas... Mas esta é uma reflexão que vale uma segunda leitura:: vale muito a pena ler ; e depois de lida, vale mais ainda fazer outra leitura.
E é preciso proceder à leitura sem armar o espírito! Toda leitura da realidade precisa sempre ser feita com espírito desarmado, mas poucos de nós conseguem ter esta virtude e quando lemos já vamos fazendo inferências ditadas pelas ideologias que professamos.
Os lulistas e os bolsonaristas, os dois, e outros, detestam Merval! Detestam Merval como também detestam Malu Gaspar, Demétrio Magnóli e detestam todos os que a eles não se alinham.
Penso que estas antipatias são de inspiração ideológica e ocorrem por os que ideologizam seguirem uma lógica dicotômica. Para quem ideologiza, quase sempre as questões só têm dois lados, e o que não segue a mesma coisa que ele é porque está contra.
Esse dualismo, que é um maniqueísmo, é estranho em quem fala em "espírito crítico", porque não há criticidade em dualismo ideológico e quem é dual em politica trata as questões em apenas dois sabores:: ou é "a favor" ou é "contra", e a realidade não é assim.
Este dualismo, quando se depara com mentes que funcionam como as mentes de Merval Pereira, Demétrio Magnóli, Marcos Lisboa, Samuel Pessoa, Malu Gaspar e gente assim, entra em conflito, porque o dualismo não ultrapassa o raciocínio do "contra ou a favor", do "nós contra eles", do "nós estamos certos e quem pensa diferente está errado", sem que o maniqueísta precise de fundamentos lógicos razoáveis para formar opinião, porque o dualista prioriza sua ideologia e ela basta para fazer o juízo sobre a realidade.
Pensar a realidade ideologizadamente é aplicar à realidade a forma religiosa de pensar ; assim, quem pensa ideologizadamente traduz a realidade sob a forma de sua crença.
Ideologia eu penso que todos temos, e acho bom que tenhamos ; o que estou observando é apenas que a ideologia não explica o ser humano e o mundo do ser humano e por isso o que eu estou refletindo é que a realidade fica mal pensada por qudm a ideologiza. É esta ideologização que eu penso ser desaconselhável, e não o fato de alguém ter uma ideologia.
Esta reflexão de Merval sobre o estado das coisas na questão do poder (dos poderes) no Brasil merece a leitura e merece ainda mais que seja feita novamente outra leitura após a primeira. Leitura desarmada, sem dualismo, sem maniqueísmo. Merval não está fazendo uma reflexão contra Lula ou contra Bolsonaro ; nesta reflexão, Merval está pensando o Brasi e a favor do Brasil.
Para Merval, Malu Gaspar, Demétrio Magnoli e alguns outros não é com ideologismo que se pensa.
Onde já se viu!
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