O Globo
É possível demonstrar empatia pelo sofrimento
do povo palestino e condenar com firmeza ataques terroristas
Quando acontecem as tragédias, policiais,
ecológicas ou políticas, os jornalistas reportam, fotografam e comentam.
Aparentemente, voltam para casa e se preparam para novos acontecimentos. Mas
não é isso que experimentamos na vida real. As tragédias impactam nosso
cotidiano, nosso inconsciente, nosso lazer e o próprio sono.
Foi assim que aconteceu comigo depois de
entrar no Carandiru, após o massacre, depois de fotografar os mortos de Vigário
Geral, acompanhados de uma vela solitária. Foi assim também depois de cobrir os
desastres em Mariana e Brumadinho.
O ataque terrorista do sábado, 7 de outubro,
em Israel,
apesar da distância, amargou minhas férias anuais, que começariam na
segunda-feira. Muita tristeza e desolação. Dizem que ficamos mais sentimentais
com a idade. Mas o massacre de famílias israelenses e jovens que dançavam numa
rave, além de tudo, acentuou meu sentimento de frustração e impotência diante
de um conflito que parece não ter fim.
A resposta para isso é o bombardeio de Gaza, invasão armada e morte de civis. São acontecimentos que abalam a crença no ser humano. Em 50 anos de vida política, acompanho o que se passa no Oriente Médio com uma esperança de que a solução de dois Estados, Israel e Palestina, acabe triunfando e estabeleça a paz e a cooperação entre os dois vizinhos.
Neto de libaneses, com Carlos Minc e
o saudoso Alfredo Sirkis, ambos de ascendência judaica, cheguei a participar de
manifestações no Saara (polo comercial no Centro do Rio) para mostrar, por meio
das colônias no Brasil, que os dois povos podem viver lado a lado, em harmonia.
Continuo sonhando com a solução de dois Estados e me orgulho de ser essa a
política brasileira ao longo dos governos democráticos.
Creio que é possível defender Israel e, ao
mesmo tempo, condenar o massacre de Sabra e Chatila, em 1982, realizado por
milícias cristãs, mas favorecido pelo cerco de Israel àqueles campos de
refugiados. Da mesma forma, é possível demonstrar empatia pelo sofrimento do
povo palestino e condenar com firmeza ataques terroristas que matam e
sequestram crianças e velhos e massacram jovens numa festa rave.
Quando acontecem fatos que me abalam, sempre
volto às minhas ideias, porque, em certos casos, eles conseguem mudá-las. A
ideia de dois Estados não é tão simples. Em primeiro lugar, pensamos em termos
da Paz de Vestfália, que acabou com a Guerra dos 30 Anos em 1648 e levou ao
reconhecimento do Estado-nação.
No Oriente Médio, alguns dos principais
atores armados são não estatais. O Hezbollah tornou-se
uma potência regional depois de ser um elemento decisivo na guerra da Síria. O Hamas tem
responsabilidade administrativa na Faixa de Gaza, mas jogou-a para o alto,
afastando-se do pragmatismo. Atacou barbaramente na expectativa de que Israel
responda com violência e se desgaste, tática típica da guerra assimétrica. Os
bombardeios que matam civis completam em Gaza o quadro trágico e desumano.
Além disso, algumas forças da extrema direita
em Israel têm clara perspectiva anexionista e acham utópica a solução de dois
Estados. No momento, são os adversários da ideia de dois Estados que
predominam. Liderado por Benjamin
Netanyahu, Israel faz guerra contra o Hamas, de olho no potencial
ataque do Hezbollah ao norte.
Na verdade, os defensores da paz no Oriente
Médio, inclusive alguns países ocidentais, parecem não ter se dado conta ao
longo destes anos que a tendência bélica se acentuou.
Como restabelecer a influência dos que
trabalham pela paz na região? Fui convencido pela ideia de que os seres humanos
não se colocam problemas que não possam resolver. Temo morrer sem ver essa tese
triunfar no Oriente Médio.
Por enquanto, só vemos aumentar os tambores
de guerra e as marcas de sangue. Às vezes, tendo a concordar com o pensador
romeno Cioran, quando afirma que, neste mundo, tudo está fora do lugar, a
começar pelo próprio mundo. Segundo ele, somos levados por um turbilhão que às
vezes parece ordem, mas apenas para poder nos arrastar melhor.
4 comentários:
■ Etgar Keret
é um consagradíssimo escritor israelense.
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Vou colar aqui uns drops que peguei no Wikipedia para mostrar quem é Etgar Keret::
▪ " Etgar Keret (Tel Aviv, 1967) é um escritor israelita e um dos mais populares da nova geração ".
▪" O crítico literário Nissim Calderon escreveu que Keret é "o Amos Oz da sua geração, e o jornal diário Yedioth Ahronoth escolheu o seu livro "Missing Kissinger" como o quinto livro israelita mais importante de todos os tempos. ".
▪" Os livros de Keret são sempre best-sellers em Israel e cada um deles recebeu o prémio de platina da associação de livreiros israelita por vender mais de 40.000 cópias. ".
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Agora, conto uma história de consciência e empatia deste escritor israelense pelos palestinos, igualmente semitas como o escritor.
Esta história eu li em um relato de Etgar Keret faz uns 15 anos::
●=》Um dia o pequeno filho de Etgar Keret, ao voltar da escola, pediu aos pais para comprarem um rifle.
Etgar perguntou ao filho o porquê de comprarem um rifle e o menino respondeu que era para matar árabes.
O menino também disse que os árabes matavam judeus e que por isto judeus deveriam matar árabes.
■Não conseguindo mostrar para o menino o que alimentava o conflito entre os dois povos, Etgar Keret e a mãe do menino passaram a fazer barreira ao deslocamento do filho dentro de casa. O menino perguntava o porquê de estarem fazendo aquilo e impedindo o seu deslocamento e os pais, quietos mas amorosos, nada mais falavam, apenas colocavam barreira aos deslocamentos do filho usando os próprios corpos, inclusive nas idas do menino ao banheiro.
Com alguns dias de barreiras o menino disse aos pais::
▪Eu já sei porque vocês estão fazendo isto comigo. É para me mostrarem que nós colocamos bloqueios para os árabes e por isso os árabes querem matar judeus.
■E com esta tomada de consciência pelo menino, os pais levantaram os bloqueios que lhe faziam em seus deslocamentos pela casa.
Leiam Etgar Keret, vale muito o tempo gasto com a leitura. É altíssima literatura! Etgar é um destes seres humanos para quem o que importa é a verdade, a lógica e o justo, antes de suas crenças, seus interesses e suas escolhas e sua ideologia.
Quanto a mim, quem pensa que gosto e defendo a cultura árabe está muito enganado, eu prefiro e defendo a experiência de democracia de Israel ; mas defendo de verdade e isso vale para o direito dos árabes!
E eu sei que é de uma complexidade como poucas a situação geopolítica naquela área.
Essa complexidade faz parecer quase impossível uma solução, principalmente pela presença de ideologismos das duas partes e da presença de grupos terrorista do lado árabe.
De um terrorista não se pode esperar nada e o mínimo que se pode desejar de um terrorista é que ele cumpra o horário!
Mas a presença de terroristas do lado árabe e de ideologismos das duas partes não pode servir de desculpas para não agir e deixar que se eternize a iniquidade a que estão submetidos os palestinos.
Se não houver mais nenhuma possibilidade de ação política negociada, o mundo tem que intervir.
O mundo civilizado não interviu contra a monstruosidade de Saddam Russein no Iraque e na monstruosidade do pedófilo Muammar Al-Gaddafi na Líbia? Então por que o mundo não pode intervir na monstruosidade dos terroristas árabes e no ideologismo tanto de árabes como de israelenses?
O mapa do caminho nem precisa ser desenhado porque já está pronto esde 1947 e o que precisa ser feito em relação a isso é simplesmente obrigar Israel a cumprir a partilha feita pela ONU em 1947 e fazer os palestinos aceitarem, ouvindo primeiro algumas reivindicações dos palestinos que os levaram a não aceitar a partilha inicialmente feita e que os condenou a um país geograficamente inviável. Se eles não aceitaram lá, é claro que alguns ajustes precisam ser feitos.
Mas que de forma alguma se faça o contrário e se imponha aos palestinos a perda de territórios roubados por Israel, fazendo fato consumado desta delinquência contra os palestinos.
Parabéns, Gabeira! Provavelmente o único colunista de O Globo que mostra uma análise mais completa e imparcial. Os 2 comentários acima tb são muito interessantes!
Justificar atos terroristas não dá!
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