O Globo
Se a economia vai bem no presente e tem boas
perspectivas para a frente, as empresas ganharão
Vale o arcabouço fiscal, declarou o ministro
Fernando Haddad nesta semana, depois de algumas reuniões com Lula.
Não foi fácil. Precisou o dólar bater em R$ 5,70 para o ministro impor ao
governo uma espécie de renascimento de sua agenda.
Há várias interpretações para o episódio. O
arcabouço fiscal, como lembrou Haddad, está fixado em lei complementar desde
agosto do ano passado. Que fosse preciso reiterar isso, quase um ano depois,
demonstra que o mercado tinha razão quando desconfiou que o governo Lula, a
começar pelo presidente, pretendia driblar as regras do arcabouço para gastar
sem limites.
Essa descrença é recente. Há algumas semanas,
o Boletim Focus, editado pelo Banco Central, mas resumindo as opiniões dos
analistas de fora do governo, previa um cenário positivo para este e para o
próximo ano: inflação em queda, juros idem e o dólar, imaginem, estável em R$ 5
até 2026.
Com base nesse cenário, os investidores fizeram suas apostas. Não são bem apostas, mas aplicações financeiras com base em dados e expectativas, com o objetivo de preservar o capital e obter lucros. Não são especulações no vazio. Têm ligação com a economia real. Se o país crescerá com inflação baixa e ganhos de renda, então o varejo venderá mais. Logo, comprem-se ações das companhias varejistas. De modo mais amplo, se a economia vai bem no presente e tem boas perspectivas para a frente, as empresas ganharão dinheiro. Logo, a Bolsa de Valores é um bom local para colocar seu dinheiro.
A atuação do governo, claro, constitui
elemento fundamental na formação dos cenários. O governo Lula começou sob certa
desconfiança, que se dissipou quando foi aprovada a lei do arcabouço fiscal,
prevendo déficit zero nas contas públicas já neste ano. Houve críticas ao
modelo, que busca equilíbrio das contas mais pelo aumento da receita que pelo
controle de gastos. Mas, tudo bem, pelo menos havia uma meta de equilíbrio
fiscal. Mesmo não chegando ao déficit zero, haveria alguma redução no tamanho
do buraco.
Como mostrou o economista Marcos Lisboa em
artigo na Folha, o cenário implícito nos investimentos dos fundos multimercado,
onde se fazem as tais apostas, era de confiança na política econômica. O
mercado comprava alegremente papéis que pagavam juros de 5,5% acima da
inflação. Lógico, se juros e dólar cairiam. Danaram-se. Deu o contrário, os
fundos multimercado perderam dinheiro. Foram punidos por acreditar na política
econômica oficial.
As expectativas começaram a mudar quando,
primeiro, o governo não obteve as receitas necessárias. Segundo, quando
continuou gastando. Terceiro, quando anunciou que se não pudesse cumprir a meta
de déficit zero, azar. Fica para o próximo ano. O arcabouço não vale, tal era a
mensagem.
Aí vem o quarto fator: as falas de Lula
atacando o mercado e o Banco Central pela alta moderada do dólar e dos juros
futuros. Moderada até então, pois o presidente conseguiu jogar o real ainda
mais para baixo. O presidente e seu pessoal deveriam entender. Se o ambiente
financeiro piora com a alta de dólar e juros, de onde tiraram que o mercado
queria isso? Os diretores do BC nomeados por Lula obviamente sabiam que os
fundos multimercado perdiam dinheiro. Não disseram isso a ele? E Haddad, não
via ou não conseguia ser ouvido?
Resumo: o mercado acreditou que o arcabouço
valia e se colocou conforme essa crença; o próprio governo começou a
desmoralizar o arcabouço; déficit em alta implica juros mais elevados;
desajuste fiscal e ambiente nervoso levaram à alta do dólar e à perspectiva de
subida da inflação.
Depois de suadas reuniões, Haddad declara:
vale o arcabouço. O tal mercado reage de primeira: cai o dólar, a Bolsa dá um
respiro, os juros futuros começam a se acomodar. Sinal óbvio de que o mercado
não queria, nem ganhava com o ambiente de descrença na política econômica.
Como fica? Há um alívio, mas condicional.
Depende de o governo efetivamente fazer os cortes de gastos que o ministro
Hadad diz que serão feitos.
Um comentário:
"Não são bem apostas", quer nos convencer o colunista mercadófilo com sua conversa mole e pseudociência. Noutra coluna deste blog, Belluzzo e Back demonstram o contrário: "é sempre uma aposta"!
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