O Globo
Nem tudo é como parece nas eleições
municipais. É preciso cuidado antes de proclamar vencedores, a política tem
muitas nuances
Esta eleição municipal está derrotando muitas teses. A direita ganhou a eleição? Sim, mas que direita e que centro venceram? A maioria das prefeituras vai ser controlada pelo PSD, MDB, PP, União Brasil e PL. Em geral, são partidos pragmáticos que ora fazem coalizão à esquerda, ora à direita, mas não houve um fortalecimento da direita antidemocrática. Mesmo o PL não é todo fechado com Bolsonaro. Porém, o problema é que o avanço desses partidos foi turbinado pelas emendas parlamentares. Primeiro distorceram a execução do Orçamento, depois interferiram nas tendências eleitorais. É aí que mora o perigo.
O falsário Pablo Marçal teve
parcela relevante dos votos? Sim, mas ficou fora do processo eleitoral e agora
terá contas a acertar com a Justiça Eleitoral e a Criminal. É um fenômeno que
pode se esvanecer como é natural após as derrotas. O caso precisa ser estudado
para a compreensão do sentimento dos eleitores e para se criar antídotos ao
veneno que ele tentou injetar na democracia brasileira. Antes de jogar uma
bomba de mentiras na reta final da campanha, Marçal deu todos os sinais de que
agia de má-fé. A Justiça, muita acusada de ativismo, pecou desta vez por inação
ao deixar de atuar preventivamente. Mas os eleitores de São Paulo nos deram uma
nova chance para aprender como lidar com fraudulentos e manipuladores nesse
grau extremado.
Jair
Bolsonaro se fortaleceu? Ele teve vitórias importantes, porém
localizadas. Em algumas cidades, candidatos tiveram desempenho surpreendente
diretamente pelo apoio dele, como Goiânia com Fred Rodrigues, Curitiba com
Cristina Graeml, e Belo Horizonte com Bruno Engler, mas em algumas delas
instalou-se uma guerra entre duas direitas. Na capital de Goiás, será ele
contra Ronaldo
Caiado a quem chamou de “covarde” recentemente. Em Campo
Grande, ele traiu a promessa que havia feito à sua ex-ministra Tereza
Cristina e não apoiou a candidata do PP, Adriane Lopes que,
mesmo assim, está no segundo turno. Seu candidato foi derrotado. Onde Bolsonaro
mais precisava demonstrar poder eleitoral, o Rio de Janeiro, seu reduto, o
candidato escolhido não chegou ao segundo turno. Em São Paulo, deu sinais
dúbios e foi atropelado pelos fatos. Na extrema-direita, ele foi desafiado e se
mostrou acuado. A parcela da direita mais ligada ao ex-presidente tem hoje
muitas divisões.
O governador Tarcísio de
Freitas se fortaleceu por ter sido o grande fiador da campanha
do prefeito Ricardo Nunes? Pode ser. Por outro lado, Nunes teve também R$ 8
bilhões para investir, a máquina da prefeitura, o maior tempo de TV e um
exército de candidatos a vereador pedindo votos para ele. E ainda assim ficou
com menos de 30% dos votos. Mesmo na frente nas pesquisas de segundo turno, tem
ainda um caminho até o dia 27.
Se o prefeito vencer, Tarcísio passa a ter
cacife para disputar a presidência? Disputar sim, vencer é mais difícil. Um
ex-governador de São Paulo para chegar ao Planalto tem que atravessar um
Everest. Tentaram Orestes Quércia, Mário Covas, Paulo Maluf, José Serra e Geraldo
Alckmin. Todos foram parados no caminho. Nada na política é
automático e é isso que torna a análise política tão desafiadora e instigante.
São Paulo é o maior colégio eleitoral do país, portanto quem o governa, sai de
casa carregando estatísticas favoráveis. Deveria ser o favorito natural, mas
seus ex-governadores nunca chegaram ao Planalto, desde a redemocratização.
Partidos no poder aumentam suas bancadas e
suas prefeituras? Sim, mas nessa eleição municipal isso não aconteceu. Há uma
desconexão da esquerda com as transformações da sociedade em tempos de rupturas
tecnológicas e de mudança no mundo do trabalho. A esquerda precisa de novas
lideranças e de novas propostas. O centro também precisa se renovar, porque os
velhos métodos fisiológicos do centrão podem ser eficientes para alguns
propósitos, mas não para um novo projeto para o Brasil.
É preciso ressaltar que o grande vencedor da
eleição é o processo eleitoral em si. A urna, atacada por quatro anos com
disparos diretos da presidência da República, chegou com sua credibilidade
intacta à primeira eleição pós-Bolsonaro. Tudo funcionou perfeitamente e, mesmo
na mais renhida das disputas, a paulistana, o resultado estava oficializado
quatro horas após o fechamento das urnas. Sim, o Brasil tem uma eficiente e
confiável tecnologia de registro da vontade popular. Revoguem-se as teses em
contrário.
2 comentários:
" O centro também precisa se renovar, porque os velhos métodos fisiológicos do centrão podem ser eficientes para alguns propósitos, mas não para um novo projeto para o Brasil. "
O Brasil tem projeto? E, se tem, qual é?
🤔🤔🤔
A colunista disse que não tem projeto.
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