quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Honduras discute saída negociada

Ricardo Galhardo
Enviado especial • Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO

O governo do presidente de Honduras, Roberto Micheletti, começou a dar sinais de enfraquecimento, após decretar a suspensão das liberdades individuais, com forte reação de setores que no primeiro momento apoiaram o golpe que depôs Manuel Zelaya. A truculência de Micheletti desagradou a empresários, Congresso, meios de comunicação e partidos. Desde o regresso de Zelaya, 2.200 pessoas foram detidas. Ontem, industriais pediram a restituição do presidente, sob condições, evidenciando uma divisão no setor. A Igreja, que defendeu o golpe, agora participa das tentativas de acordo. E o general Romeu Vásquez, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, eximiu militares de responsabilidade na deposição do presidente. O chanceler Celso Amorim disse que, sem abrigo na embaixada brasileira, Zelaya estaria morto ou promovendo a revolução.

Truculência enfraquece Micheletti

Medidas de exceção reduzem apoio ao governo e elevam pressão por negociação

O decreto que suspende liberdades individuais baixado domingo por Roberto Micheletti provocou forte reação contrária ao atual governo em setores da sociedade hondurenha que apoiaram na primeira hora o golpe de Estado que derrubou Manuel Zelaya no dia 28 de junho.

A truculência de Micheletti desagradou a setores do empresariado, Congresso, meios de comunicação e partidos políticos. Desde segundafeira passada, quando Zelaya se refugiou na embaixada brasileira, 2.200 pessoas foram detidas, segundo a Polícia Nacional, 134 delas desde que o decreto foi baixado. A maior parte já foi libertada.

Ontem, o presidente da Associação Nacional de Indústrias (Andi), Adolfo Facussé, divulgou uma proposta na qual pede abertamente a restituição de Zelaya, o que evidencia no mínimo uma divisão no segmento empresarial, que deu apoio irrestrito ao golpe.

Proposta inclui prisão domiciliar

Outros sinais vieram. O general Romeo Vásquez, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, eximiu os militares de responsabilidade no golpe. Foi ele quem executou a prisão de Zelaya, que estava de pijama na madrugada do dia 28. Segundo ele, um acordo político está próximo.

Perguntado sobre a responsabilidade dos militares, ele respondeu: — Se isso fosse verdade eu seria o chefe de Estado.

O embaixador dos Estados Unidos em Honduras, Hugo Llorens, veio a público pela primeira vez para, em entrevista a uma rádio local, reiterar o apoio do governo Barack Obama ao Acordo de San José, articulado pelo presidente da Costa Rica, Óscar Arias, que também prevê a restituição de Zelaya.

Antes o Congresso, partidos de centro-direita, alguns veículos de comunicação e a Igreja Católica já haviam dado sinais de descontentamento com o governo interino.

Uma comissão do Congresso esteve anteontem com Micheletti pedindo a revogação do decreto e provocando um recuo do presidente golpista. O movimento foi encabeçado pelos partidos Nacional e Liberal, os que têm maior representação no Parlamento e deram sustentação à destituição de Zelaya. Líder nas pesquisas, o candidato do Partido Liberal, Porfírio “Pepe” Lobo, é um dos maiores críticos do decreto. Ele é o maior interessado em que o processo eleitoral aconteça em condições minimamente aceitáveis.

A Igreja, que defendeu o golpe sob a justificativa da paz, agora participa das tentativas de acordo por meio do bispo auxiliar, Juan Jose Pineda, que esteve duas vezes com Zelaya na última semana.

O presidente interino passou o dia de ontem em reuniões com os diversos setores que pressionam o governo para tentar contornar a situação.

Segundo um parlamentar próximo do presidente, Micheletti está enfraquecido: — Como vocês brasileiros dizem, foi um tiro no pé. O decreto espantou pessoas e setores que apoiaram o golpe, e Micheletti está hoje mais fragilizado do que na sexta-feira.

A proposta da Andi, mesmo que fadada ao fracasso por prever que Zelaya volte ao poder em prisão domiciliar, causou grande impacto nos meios político e empresarial. Membros do Conselho Hondurenho da Empresa Privada, um dos pilares do golpe, passaram a advogar pelo Acordo de San José.

— O que está sobre a mesa é o Acordo de San José e creio que falta mais iniciativa e agressividade para aplicá-lo. Não há mais nada na mesa — disse o presidente do conselho, Amílcar Búlnes.

O ministro da Indústria e Comércio do governo em exercício, Benjamin Bográn, negou que Micheletti esteja isolado.

— Cada setor pode fazer as propostas que achar convenientes. A proposta do governo continua sendo que o presidente Micheletti se retire em nome de uma terceira pessoa desde que Zelaya legitime as eleições — disse o ministro ao GLOBO.

A pressão sobre o empresariado teria partido do embaixador dos EUA, que reuniu um grupo em sua casa na segunda-feira e cobrou uma solução nos marcos da proposta de Arias.

Além disso, o decreto é alvo de uma avalanche de ações judiciais (mais de cem até o final da tarde de ontem) e não tem impedido as manifestações da resistência.

Ontem, mais de duas mil pessoas voltaram a protestar pacificamente na porta da Universidade Pedagógica pela restituição de Zelaya. Uma pequena manifestação ocorreu em frente à Rádio Globo que, juntamente com o Canal 36, foi invadida, depredada e tirada do ar por tropas.

Também foram registrados protestos nos bairros de El Bosque, Buenos Aires e Colonia. Em nenhum deles houve atritos com a polícia.

Ironicamente, a única manifestação cancelada ontem havia sido preparada pelos partidários de Micheletti, os chamados camisas brancas, em apoio às eleições marcadas para o dia 29 de novembro.

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