Quando vai começar o governo Dilma? Depois do carnaval? Janeiro termina amanhã e quase nada se viu. É claro que a ampla bancada chapa branca da mídia já encontra motivos para elogios genéricos, em especial o de que ela tem um perfil mais administrativo; ou seja, estaria preocupada em fazer a máquina funcionar melhor e não em sair mundo afora fazendo discursos bravateiros enquanto os outros tomam decisões práticas. E é certo que se dê a governos iniciantes uma "lua de mel" de cem dias, como se diz, antes de sair emitindo julgamentos definitivos. Mas quanto antes ela apresentar suas propostas, mandar ao Congresso e mostrar à sociedade os planos e as reformas que acredita poder fazer, melhor. O capital político de sua votação não pode ser desperdiçado, ainda mais quando há tarefas inglórias pela frente.
Na realidade, há sacrifícios a fazer, mas é justamente por isso que ela precisa lançar diretrizes maiores, alimentar esperanças mais consistentes. Entre os sacrifícios está o de corrigir o caos fiscal que herdou do governo Lula. Os restos a pagar, a queda do superávit e a carência de investimentos não são problemas pequenos; a inflação vem subindo e o PIB não deve chegar a 5% neste ano. O aumento da arrecadação e dos ingressos externos não cobre o rombo, por mais maquiagem contábil que se faça com futuros faturamentos de estatais. Os juros oficiais já subiram e as obras de infraestrutura estão atrasadas. Como Lula em 2003, Dilma terá de passar por um primeiro ano de contenção firme, apesar da melhor conjuntura econômica. Mas dificilmente conseguirá neutralizar as críticas com slogans sociais e gestos carismáticos.
O que tivemos até agora foi a triste divisão do butim; isto é, o PMDB e o PT se engalfinhando por ministérios, estatais e cargos de confiança, todos em número absurdo sob qualquer parâmetro internacional. Escrevi uma vez que o PT seria o PMDB do século 21, o maior e mais fisiológico partido brasileiro, e o tempo vem confirmando a suspeita. Para uma legenda que nasceu reformista, há 30 anos, com apoio de intelectuais como Sergio Buarque de Holanda, é um destino melancólico. Mas a situação é favorável a médio e até a longo prazos. O Brasil está na moda, com desemprego baixo, commodities ainda em alta e a perspectiva de eventos esportivos (Copa em 2014, Olimpíada em 2016) e o pré-sal. Politicamente, o governo quase não enfrenta oposição; basta citar nomes como Aécio Neves e Gilberto Kassab e verificar.
Só que, para aproveitar de verdade esse cenário, além do corte nos gastos públicos, Dilma precisa dizer a que veio. Uma reforma que seria importante é a política, mas, pelo descrito acima, é difícil apostar nela, a não ser em um ou outro item (fidelidade partidária, cláusula de barreira ou qualquer coisa que impeça um número tão alto de partidos sem representatividade). Os esforços deveriam ser concentrados em duas áreas, cada uma em seu ritmo. Primeira, a melhora do ambiente econômico: a redução e simplificação da carga tributária e algumas medidas antiburocráticas permitiriam que as empresas pagassem melhor, fossem mais produtivas e cobrassem preços menores, pois o custo de vida está acima de qualquer senso. Segunda, uma profunda revisão da educação, para ter mão de obra bem mais qualificada e desempenho melhor em provas mundiais.
Essas duas ações significariam que o Brasil não quer ser apenas um exportador de ferro, soja e carne, movido por empregos de baixa escolaridade; quer ter um parque industrial amplo e inovador, com uma sociedade mais moderna e civilizada. Como nos tempos do regime militar, o debate econômico no Brasil se limita aos números do PIB, como se o avanço educacional e cultural viesse por inércia. Não vem. É preciso investir não apenas em bolsas sociais, mas em infraestrutura como saneamento e transporte, dois itens essenciais que a maioria não tem como deveria ter. E é preciso fazer o que os chineses já estão fazendo e os coreanos fazem há uma geração: perseguir metas e mudar conteúdos da educação, valorizando a economia criativa e a pesquisa tecnológica. Mas cadê os projetos e cronogramas de Dilma nessas duas áreas fundamentais? Para usar uma canção do seu tempo, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
Temo que parte dessa paralisia se explique por sua crença de que "o Estado voltou", expressa durante a crise financeira mundial de 2008. Como os governos precisaram socorrer os mercados financeiros, à beira do colapso pela facilidade de conceder empréstimos e hipotecas, muita gente achou também que o intervencionismo estatal seria retomado; li até elogios ao "capitalismo de Estado" chinês, que seria semelhante ao que EUA e Europa tiveram no passado. Nada disso. Agora são os governos que estão reduzindo gastos e impostos de novo, mergulhados em déficits; e o enriquecimento da China só se deu no momento em que ela liberou a iniciativa privada, não o contrário. No caso do Brasil, onde o Estado é carcomido por incompetência e corrupção, a tendência jamais pode ser a de ampliar seu tamanho, e sim a de melhorar suas funções.
Dilma poderia ler O Mundo em Queda Livre, de Joseph Stiglitz, que mostra como hoje cabe ao Estado um papel de regulamentador e indutor, não de controlador e produtor. O mercado não é autossuficiente, como dizem os conservadores (vulgo "neoliberais"); sua soma final não é o reequilíbrio cíclico. O Estado, no entanto, não substitui nem pode emperrar seu dinamismo. Nem Hayek nem Keynes, diz Stiglitz; Estado e mercado não são entidades opostas, nunca foram. Se o governo Dilma continuar a pensar que seu trabalho é apenas estimular o consumo e adotar políticas compensatórias, acreditando que o BNDES e o fluxo de dólares podem dar conta de todos os investimentos necessários, pagará um preço cedo ou tarde. Tirar peso do Estado das forças produtivas e melhorar sua eficiência na formação educacional são a chave para sair do vergonhoso lugar que o Brasil ainda ocupa no ranking do IDH. A hora é agora.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Na realidade, há sacrifícios a fazer, mas é justamente por isso que ela precisa lançar diretrizes maiores, alimentar esperanças mais consistentes. Entre os sacrifícios está o de corrigir o caos fiscal que herdou do governo Lula. Os restos a pagar, a queda do superávit e a carência de investimentos não são problemas pequenos; a inflação vem subindo e o PIB não deve chegar a 5% neste ano. O aumento da arrecadação e dos ingressos externos não cobre o rombo, por mais maquiagem contábil que se faça com futuros faturamentos de estatais. Os juros oficiais já subiram e as obras de infraestrutura estão atrasadas. Como Lula em 2003, Dilma terá de passar por um primeiro ano de contenção firme, apesar da melhor conjuntura econômica. Mas dificilmente conseguirá neutralizar as críticas com slogans sociais e gestos carismáticos.
O que tivemos até agora foi a triste divisão do butim; isto é, o PMDB e o PT se engalfinhando por ministérios, estatais e cargos de confiança, todos em número absurdo sob qualquer parâmetro internacional. Escrevi uma vez que o PT seria o PMDB do século 21, o maior e mais fisiológico partido brasileiro, e o tempo vem confirmando a suspeita. Para uma legenda que nasceu reformista, há 30 anos, com apoio de intelectuais como Sergio Buarque de Holanda, é um destino melancólico. Mas a situação é favorável a médio e até a longo prazos. O Brasil está na moda, com desemprego baixo, commodities ainda em alta e a perspectiva de eventos esportivos (Copa em 2014, Olimpíada em 2016) e o pré-sal. Politicamente, o governo quase não enfrenta oposição; basta citar nomes como Aécio Neves e Gilberto Kassab e verificar.
Só que, para aproveitar de verdade esse cenário, além do corte nos gastos públicos, Dilma precisa dizer a que veio. Uma reforma que seria importante é a política, mas, pelo descrito acima, é difícil apostar nela, a não ser em um ou outro item (fidelidade partidária, cláusula de barreira ou qualquer coisa que impeça um número tão alto de partidos sem representatividade). Os esforços deveriam ser concentrados em duas áreas, cada uma em seu ritmo. Primeira, a melhora do ambiente econômico: a redução e simplificação da carga tributária e algumas medidas antiburocráticas permitiriam que as empresas pagassem melhor, fossem mais produtivas e cobrassem preços menores, pois o custo de vida está acima de qualquer senso. Segunda, uma profunda revisão da educação, para ter mão de obra bem mais qualificada e desempenho melhor em provas mundiais.
Essas duas ações significariam que o Brasil não quer ser apenas um exportador de ferro, soja e carne, movido por empregos de baixa escolaridade; quer ter um parque industrial amplo e inovador, com uma sociedade mais moderna e civilizada. Como nos tempos do regime militar, o debate econômico no Brasil se limita aos números do PIB, como se o avanço educacional e cultural viesse por inércia. Não vem. É preciso investir não apenas em bolsas sociais, mas em infraestrutura como saneamento e transporte, dois itens essenciais que a maioria não tem como deveria ter. E é preciso fazer o que os chineses já estão fazendo e os coreanos fazem há uma geração: perseguir metas e mudar conteúdos da educação, valorizando a economia criativa e a pesquisa tecnológica. Mas cadê os projetos e cronogramas de Dilma nessas duas áreas fundamentais? Para usar uma canção do seu tempo, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
Temo que parte dessa paralisia se explique por sua crença de que "o Estado voltou", expressa durante a crise financeira mundial de 2008. Como os governos precisaram socorrer os mercados financeiros, à beira do colapso pela facilidade de conceder empréstimos e hipotecas, muita gente achou também que o intervencionismo estatal seria retomado; li até elogios ao "capitalismo de Estado" chinês, que seria semelhante ao que EUA e Europa tiveram no passado. Nada disso. Agora são os governos que estão reduzindo gastos e impostos de novo, mergulhados em déficits; e o enriquecimento da China só se deu no momento em que ela liberou a iniciativa privada, não o contrário. No caso do Brasil, onde o Estado é carcomido por incompetência e corrupção, a tendência jamais pode ser a de ampliar seu tamanho, e sim a de melhorar suas funções.
Dilma poderia ler O Mundo em Queda Livre, de Joseph Stiglitz, que mostra como hoje cabe ao Estado um papel de regulamentador e indutor, não de controlador e produtor. O mercado não é autossuficiente, como dizem os conservadores (vulgo "neoliberais"); sua soma final não é o reequilíbrio cíclico. O Estado, no entanto, não substitui nem pode emperrar seu dinamismo. Nem Hayek nem Keynes, diz Stiglitz; Estado e mercado não são entidades opostas, nunca foram. Se o governo Dilma continuar a pensar que seu trabalho é apenas estimular o consumo e adotar políticas compensatórias, acreditando que o BNDES e o fluxo de dólares podem dar conta de todos os investimentos necessários, pagará um preço cedo ou tarde. Tirar peso do Estado das forças produtivas e melhorar sua eficiência na formação educacional são a chave para sair do vergonhoso lugar que o Brasil ainda ocupa no ranking do IDH. A hora é agora.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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