A política nunca será uma miséria enquanto sua capacidade de inverter expectativas for superior à mesmice; enquanto dobrar espinhas diante da majestade do "fato novo". A adesão de Marina Silva ao PSB de Eduardo Campos é um desses "momentos que balançam certezas enrijecidas e reíntroduzem o imperativo da política sobre a resignação e o marketing.
Sim, há um cálculo na escolha da ex-senadora: permanecer no cenário de 2014, sem perder de vista 2018. Mas o óbvio recomendaria aceitar a carona do PPS, fazendo número e levando a disputa ao 2.0 turno para que Aécio Neves, por exemplo, encarasse Dilma Rousseff num embate piebiscitário.
Mas, Marina demonstra que desprendimento e alguma novidade ainda são possíveis: seu apoio a Campos vislumbra colocar uma cunha na desgastada polarização PT-PSDB, Não há como negar, o governador de Pernambuco sai favorecido. Primeiro porque acumula pontos com a líder da Rede ao seu lado. Mas, não só. Seu "golaço" talvez resida, antes, em demonstrar o porquê de Lula tanto pedir ao PT que tivesse tato para com ele.
O neto de Miguel Arraes se revela um tipo de caçador que não espanta a caça. Um político que, por paradoxal que pareça, exercita a arte da política: observa os detalhes da cena, compreendendo e percebendo suas fragilidades; prevendo e aproveitando suas brechas. Aguarda, em silêncio, que as feras se enredem, por si mesmas, no emaranhado de cordas do desenrolar da história.
Foi assim com o PT de Recife, em 2012; do mesmo modo com Dilma, na retirada de suas tropas do governo. E, agora, com Marina. Eduardo Campos nao se precipita; acompanha o processo sem perder de vista os lances de lá adiante. Mostra que quem dá tempo ao tempo torna-se o seu senhor.
O tempo não acabou, por certo. Continuará o governador tão perspicaz como tem se mostrado? Provável que sim. Perspicácia não é algo que se esgote. Aos seus adversários ficam, portanto, a lição e o alerta: não se dá fortuna ao homem de virtù.
*Cientista político e professor do Insper
Fonte: O Estado de S. Paulo
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