sábado, 5 de julho de 2014

Merval Pereira: Trégua da Copa

- O Globo

Mesmo sendo o Brasil “o país do futebol”, os resultados das Copas do Mundo nunca influenciaram as eleições para presidente da República, que de quatro em quatro anos coincidem com os campeonatos desde 1994. Sendo este ano realizado no Brasil, sabia-se que, desta vez, seria um pouco diferente, pelo impacto do resultado dos jogos no ânimo dos brasileiros, e também pela organização do campeonato em si.

A presidente Dilma lançou equivocadamente um slogan, “a Copa das Copas”, como se o governo tivesse o condão de transformar pela propaganda a competição em mais uma realização petista. Mesmo sendo evidente que, se dentro do campo os muitos gols e partidas emocionantes podem transformá-la numa das melhores Copas já disputadas, fora dos estádios o que justificaria o epíteto nada tem a ver com o governo: a simpatia do povo brasileiro, a alegria dos estrangeiros pelas praias ensolaradas, a comemoração pelas ruas do país numa confraternização que é característica do brasileiro.

Não será a Copa das Copas pela organização, nem pelos estádios, embora tudo tenha funcionado a contento dentro de um esforço extraordinário de segurança que transformou os arredores dos estádios e as principais vias das sedes em verdadeiras praças de guerra.

Melhor assim do que o contrário, mas o funcionamento do que era falho só foi razoável porque saímos da normalidade, e isso muito se deve às críticas quanto aos atrasos e ao desleixo com que a organização da Copa foi tratada pelos governantes.

Depois da democratização, não houve governo que quisesse se aproveitar das campanhas da seleção para ganhar popularidade. Durante a ditadura militar, sim, governos tentaram interferir até mesmo na escalação da seleção. A vontade do então presidente Médici de escalar Dario na seleção de Saldanha é uma das versões que persistem sobre a Copa de 1970, que teve no México uma atuação perfeita para trazer o tri sob o comando de Zagallo.

Desgastes diversos, com autoridades e jornalistas, e sua ligação com o Partido Comunista Brasileiro levaram Saldanha a ter que deixar o comando da seleção. Também é conhecida a tentativa, no governo Geisel, de convencer Pelé a voltar à seleção em 1974, o que ele rejeitou sabiamente.

Os governos do PT montaram a Copa do Mundo no Brasil com um olho na popularidade e outro na eleição deste ano. O que deveria ser a apoteose de um projeto iniciado há sete anos, quando a Fifa escolheu o país do futebol para sediar a Copa, transformou- se em um pesadelo para o governo e para a Fifa enquanto a bola não rolava, e mostrou que o povo brasileiro não é exatamente o que pensavam que era: acrítico diante da possibilidade de ver os principais craques do mundo da bola ao vivo em suntuosos
estádios.

O povo brasileiro vai dando um exemplo de como é possível separar as coisas sem perder a naturalidade. Adora futebol, está apoiando a seleção brasileira, mas nada indica que tenha ânimo de esquecer seus problemas apenas por causa do futebol.

Por isso, o governo volta a cometer um erro primário se interpretar a pausa que a Copa está dando aos brasileiros, que resultou no desanuviamento do ambiente político, como sinal de que os problemas da vida real estão superados. Tudo indica que, passada a trégua proporcionada pela festa do futebol, qualquer tentativa de usar o patriotismo inerente ao povo brasileiro em galardão político pode ser rechaçada pela população.

A pesquisa Datafolha que recolocou a presidente Dilma no patamar que todas as demais pesquisas lhe dão, entre 38% e 40%, demonstra a resiliência de sua candidatura, sinal de que, especialmente no Nordeste, a máquina partidária e de propaganda do governo tem condições de mantê-la como favorita mesmo em situações adversas, como a que vivemos na economia nos últimos quatro anos.

A partir de agora, a propaganda oficial está proibida, e o noticiário político terá que tratar igualmente os candidatos, o que dará mais espaço aos de oposição e reduzirá a exposição da presidente, que busca a reeleição. A gordura que ela conservou durante os primeiros meses de campanha ainda é suficiente para colocá-la em posição de liderança na corrida sucessória, mas, depois da efêmera pacificação que a Copa está dando ao ambiente político, a realidade do dia a dia voltará a ser encarada pelo eleitorado.

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