- O Estado de S. Paulo
Jornadas de junho foram prenúncio do tsunami que viria em seguida, com a Lava Jato
“Infelizmente assinei a lei que criou a delação premiada.” O sincericídio foi cometido por Dilma Rousseff durante palestra proferida em Londres em 5 de maio de 2018, dois anos depois de ser apeada da Presidência da República. A síntese dos anos 10 do século 21 no Brasil é, também, a da ascensão e queda da primeira mulher a ser eleita e reeleita presidente do País, justamente no ano inaugural da década. E o ano da virada entre uma coisa e outra foi justamente aquele em que Dilma assinou a lei pela qual viria a se lamentar: 2013, quando pegamos o desvio que nos trouxe até aqui.
As chamadas "jornadas de junho" explodiram, sem que houvesse qualquer aviso prévio, aparentemente por um motivo banal: o aumento de R$ 0,20 no preço das passagens de ônibus em São Paulo. Dilma estava, então, no auge de sua popularidade. Em abril, tinha 65% de avaliação ótima ou boa, segundo o Datafolha. As eleições do ano seguinte eram consideradas um passeio pelo entorno da petista, então ainda vista como uma gerentona que havia feito uma “faxina” no próprio governo, afastando sem hesitar ministros acusados de desvios e promovendo uma limpeza na Petrobrás.
Os protestos se alastraram pelo País como um rastilho de pólvora, levando milhões às ruas com uma pauta difusa, em que começava a aparecer uma insatisfação geral com os políticos, os serviços públicos e de má qualidade e a corrupção. A lei das delações, sancionada por Dilma em agosto, foi uma tentativa do Congresso e da presidente de “limpar a barra” com os que foram às ruas, e, curiosamente, viria a ser peça-chave no outro fato definidor da década: a Lava Jato.
Surgido em 2014 a partir de outro fato aparentemente banal – a apuração de lavagem de dinheiro por doleiros num posto de gasolina em Brasília –, o petrolão quase custou a reeleição de Dilma, que nunca havia se recuperado da traulitada dos protestos. Mas graças a doses cavalares de empulhação marqueteira, ela venceu no fio da navalha, numa eleição que já mostrava o eleitorado cindido entre os que ainda apoiavam o PT e os que passavam a manifestar verdadeira ojeriza ao partido e a Lula e seus postes.
Dali para o impeachment o caminho foi vertiginoso, com as revelações atordoantes da Lava Jato mostrando um esquema profissional de pilhagem do Estado tendo como forças motrizes os partidos, PT à frente, empreiteiras e dirigentes de estatais. Nada ficou de pé depois da operação: o antes imbatível Lula foi condenado em duas instâncias e passou um ano e meio preso em Curitiba; Dilma foi apeada do cargo; seu algoz, Eduardo Cunha, está preso até hoje; seu adversário em 2014, Aécio Neves, também foi flagrado em traficâncias e virou um deputado apagado; o substituto de Dilma na Presidência, Michel Temer, enfrentou três denúncias por corrupção no cargo, e escapou das três graças a um intensivão de fisiologia com o Congresso. Grandes empresários, antes intocáveis, foram em cana.
Das ruínas da política, emergiu Jair Bolsonaro, com um discurso calculado para ser a alternativa a tudo isso que provocava engulhos no eleitorado estarrecido. E é nesse ponto que chegamos ao fim da década, com a sociedade entrincheirada nos extremos e um governo que, nascido da negação de tudo, tem à frente um presidente com claro pendor autoritário e que mistura religião e culto à personalidade ao mesmo tempo em que emergem preocupantes indícios de ligação de sua família com práticas da velhíssima política e com grupos milicianos.
A década de 10 vai chegando ao fim, mas os ecos daquele 2013 em que tudo virou do avesso ainda vão ser sentidos ao longo dos anos 20. Apertemos os cintos e respiremos fundo.
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