sábado, 27 de agosto de 2022

Ascânio Seleme - O problema é o eleitor

O Globo

É evidente a crise de lideranças e da qualidade da representação política hoje no Brasil. Não por outra razão, os candidatos que lideram as pesquisas são o veterano-populista Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente-baixo-clero Jair Bolsonaro. Dos que correm por fora, Ciro faz sua quarta tentativa para o cargo e Simone apenas patina com um ou dois pontos nas pesquisas, a pouco mais de um mês do primeiro turno. Os partidos eventualmente buscam nomes que julgam ser os mais apetrechados para vencer a eleição, mas é evidente também que raramente dão chances aos novos.

No caso do PT, por exemplo, enquanto estiver vivo, Lula será o candidato do partido a presidente. Em 2014, não foi candidato por impedimento legal, acabava de cumprir dois mandatos. Em 2018, foi candidato mesmo preso e com direitos políticos suspensos, abrindo mão da vaga apenas na última hora. Não dá para negar que Lula é o candidato correto agora, talvez o único com estatura para vencer Bolsonaro. Mas poderia ter sido diferente. Se em 2018 o PT tivesse lançado Fernando Haddad antes ou tivesse apoiado Ciro Gomes, um deles poderia ser hoje presidente no exercício do cargo concorrendo à reeleição.

Mas a história foi escrita de forma diferente e não adianta vir agora com “se isso” ou “se aquilo”. O fato é que os partidos não ajudam o eleitor por raramente lhe oferecerem novas opções. E o eleitor tampouco se esforça para enxergar melhor e com clareza o cenário político. De um modo geral, não se importa, não se informa, preocupado muito mais com suas questões particulares do que com as questões da nação. O problema não é só o candidato, é o eleitor também.

Hoje, segundo o Datafolha, 32% dos eleitores dizem que vão votar em Jair Bolsonaro. O perfil ultraconservador e de extremista de direita do presidente obviamente atrai muitos eleitores, mas claro que não essa multidão. O presidente que busca novo mandato atentou contra a democracia e os demais Poderes, se insurgiu contra a vacina da Covid, montou um Ministério que contribuiu para o seu próprio fracasso. No Meio Ambiente, Ricardo Salles se alinhou a garimpeiros e madeireiros. Na Educação, os ministros nomeados, todos, afundaram a pasta por interesse político ou pecuniário. Na Saúde, depois do general puxa-saco, houve o que se conhece e que a PF investiga.

Dizem que Tarcísio de Freitas e Tereza Cristina foram bem nas suas áreas. Pode ser. Mas na Agricultura, Kátia Abreu no governo Dilma foi muito bem também. Não é difícil acertar, chato é errar feio como errou e segue errando o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que ataca grupos do movimento negro com viés racista. Chato é errar como errou o presidente da Funai, Marcelo Xavier, que é investigado por oferecer apoio a funcionário do órgão preso por suspeita de arrendar terras indígenas. Mais do que errados, muitos ministros e secretários envergonham qualquer governo.

Tarcísio foi bem na Infraestrutura? Talvez. Mas não se esqueçam de Ozires Silva, no governo Collor, e de tantos outros que desempenharam com competência funções similares (Transporte e Gestão Portuária e Aeroportuária) sob Itamar, FH, Lula, Dilma e Temer. Ser bom deveria ser a regra. No governo Bolsonaro esta regra é raramente cumprida. Um festival de incompetência assola o Ministério. E os eleitores que apoiam Bolsonaro não veem. Alguns, não poucos, fingem não ver.

Também ignoram os desmanches produzidos em quase todos os setores. A Cultura virou modinha sertaneja. O discurso contra a Lei Rouanet, que é tão falso quanto desonesto, passa entre o bolsonarismo como uma forma de guerra contra a esquerda. O que é uma rematada bobagem. A Funai transformou-se em posto avançado de garimpeiros. A direção da Polícia Federal virou linha de apoio aos filhos, amigos e aliados do presidente.

Estes eleitores são contra a educação, o meio ambiente, a cultura, contra a saúde e, como mostram os números de Paulo Guedes, contra a própria economia nacional. Eles também apoiam a misoginia, a homofobia e o desrespeito às políticas de afirmação. Alguns, como os empresários flagrados defendendo o golpe, são ricos, com pleno acesso à informação, mas preferem não enxergar um palmo além do nariz.

Notícias infundadas

Não surpreendem as posições do ministro Paulo Sérgio Nogueira. O general da reserva tem hoje apenas um papel político, sua função militar deixou de existir no momento em que ele abandonou a farda e foi para o Ministério. O papel das Forças Armadas é relevante no processo eleitoral com seu inestimável apoio logístico. Mas para por aí, e os comandantes militares sabem disso. Aliás, o general Freire Gomes, comandante do Exército, disse na comemoração do Dia do Soldado que “notícias infundadas e tendenciosas” não devem manchar a imagem da força. Notícias infundadas é sinônimo de fake news, e o dono da maior fábrica deste produto no Brasil estava ao seu lado durante a solenidade.

Homens de confiança

Cada vez fica mais inapropriada a expressão “minhas Forças Armadas” empregada por Bolsonaro quando se refere a Exército, Marinha e Aeronáutica. Ele até tinha, se não ascendência, algum respeito e certa simpatia dos altos comandos no início do seu governo, quando Augusto Heleno ainda era levado a sério e a Defesa era comandada por Fernando Azevedo e Silva. Desde a primeira troca de ministro esta simpatia começou a desmoronar. Hoje, além de um par de generais aqui e ali, apenas os reservistas palacianos e o “faz-tudo-o-que-seu-mestre-mandar” Paulo Sérgio ainda podem ser considerados homens da confiança do presidente.

Inflação

Por aqui, desemprego e inflação alta levam as pessoas a garimpar restos de comida em caminhões de dejetos de supermercado, em lixões, nas ruas. Nos Estados Unidos, a inflação mais alta da história mudou um dos mais tradicionais hábitos americanos. Segundo pesquisa feita pela Morning Consult, 85% dos entrevistados disseram que a inflação fez com que mudassem a forma de fazerem suas compras. Estão comprando menos produtos e mais baratos e adotando a política de “Quem” está vendendo, “Onde” está sendo vendido, e “Quando” é a melhor hora de comprar.

Negócios

Deve ter sido em razão de nota que dei aqui, por causa de zap que passei ou pesquisa que fiz, mas o fato é que de algumas semanas para cá estou recebendo enxurrada de mensagens me oferecendo material especial como calças táticas, coletes multiuso, lunetas e lanternas para caçador. Mas, também pode ser por outra razão. Pura caça de cliente, já que o liberou geral de armas e munições abriu muitas possibilidades de negócios

O incomparável

Uma pessoa pode até preferir o mais fácil e se negar a comparar os desempenhos de Lula e Bolsonaro nas entrevistas que deram ao Jornal Nacional. Direito dela, mas lá no fundo, sozinho com a sua consciência, não conseguirá deixar de constatar que uma distância gigantesca separa os dois candidatos.

JN viralizou

Nem a soma de todos os programas de TV no horário eleitoral consegue ser mais útil ao sufragista do que entrevistas como as que o Jornal Nacional fez com os quatro principais candidatos a presidente da República. Horário eleitoral é propaganda, e propaganda fala o que quer. Entrevista é reveladora. Pode-se ouvir uma crítica aqui e ali, mas William Bonner e Renata Vasconcellos mandaram muito bem e fizeram o que jornalistas fazem. Os candidatos também mostraram o que são, como pensam e por onde vão caminhar. As entrevistas estão disponíveis na Globoplay e podem ajudar a convencer os indecisos e a mudar os decididos. Recomende.

Carapuça

A Procuradoria-Geral da República reagiu por não ter sido avisada com antecedência sobre a operação policial determinada por Alexandre de Moraes contra os empresários que, em rede social, defenderam um golpe de Estado para impedir a posse de Lula, no caso dele ser eleito em outubro. O procurador Augusto Aras não disse, mas deve ter ficado chateado por não ter tido tempo de produzir o seu costumeiro “senta-em-cima”. Certamente ele faz coro com os que acham que pregar golpe é legal.

Lindôra presente

É pungente o esforço que faz a vice-procuradora Lindôra Araújo para beneficiar Bolsonaro, seus aliados, apoiadores, amigos e parentes. Por isso as críticas a atos que atentem contra estes, como a ação de Alexandre de Moraes e da PF contra empresários que pregam o golpe e financiam mobilizações antidemocráticas. Lindôra reclamou que estava ausente do gabinete quando chegou o ofício de Moraes. Risível. O que se sabe é que o sonho de Lindôra é ser ela a titular da PGR e só alcançará este objetivo se Bolsonaro for reeleito.

Celular na cabine

Fez muito bem o TSE em proibir o uso de celular nas cabines de votação. Vai dar pano para manga, já está dando, mas a correção da medida é inequívoca. Sobretudo para impedir o controle de votos exercidos de forma abusiva por milícias, pelo tráfico e por igrejas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Imaginar que quase um séc depois o voto de cabresto se sofisticou é uma desgraça. Muito acertada a decisão.

Anônimo disse...

Lula governou por 8 anos e foram anos de melhorias no país e pra maioria da população! Mais experiente e com auxílio do Alckmin, pode repetir e melhorar o que fez! Qualquer coisa é melhor que o DESgoverno Bolsonaro...

Anônimo disse...

O colunista acertou em cheio! O governo Bolsonaro é um festival de incompetência total. Os ministros da Educação bolsonaristas afundaram a educação brasileira por décadas! Ricardo Salles e o presidente da Funai são criminosos mesmo, bandidos, mal intencionados! Não é só incompetência nestes casos, é realmente crime organizado e associação para o crime! Ricardo Salles deu a receita criminosa na reunião ministerial tornada pública pelo STF: "Enquanto a imprensa se preocupa com a Covid, a gente vai passando a boiada"!