Folha de S. Paulo
Momento favorece atuação do Brasil por uma
transição à democracia no país vizinho
Ao lado do compromisso ambiental e do
empenho pela paz, a defesa da democracia é um dos instrumentos mediante os
quais o governo do presidente Lula busca recuperar o respeito e o protagonismo
do país na cena internacional.
Para que o enunciado seja crível, porém,
não basta coerência entre o que se prega no exterior e o que se faz em casa:
também para o mundo, ações devem se seguir às palavras.
O Brasil está à vontade para falar de democracia. A resiliência das instituições políticas, a atuação de organizações da sociedade civil e a impecável resposta do governo e dos Poderes de Estado à grotesca tentativa de golpe em 8/1 respaldam uma política exterior empenhada em defender o regime de liberdades sob ameaça em muitos lugares.
Não falta o que fazer nessa frente no plano
internacional. E será na América do Sul que o Brasil haverá de exibir —ou não—
vontade e capacidade de se opor à ameaça populista. Eis por que a Venezuela é
tema da hora, já não bastassem outros motivos.
Os dois países compartilham 2.199 km de
fronteiras, encravadas na bacia Amazônica, fluviais na maior parte. Por elas
navegam o ouro de extração ilegal, drogas e, nos últimos anos, milhares de
fugitivos da crise avassaladora provocada pelo desgoverno de Nicolás Maduro.
A presença na zona fronteiriça de grupos
armados —os "sindicatos", como os venezuelanos os designam— e o
envolvimento de agentes do regime chavista com a mineração ilícita empilham
obstáculos a quaisquer políticas eficazes de proteção do patrimônio ambiental
amazônico; já a presença dos refugiados aprofunda o drama social no Norte
brasileiro.
No passado, a ambiguidade de parte da
esquerda nacional em relação ao populismo venezuelano permitiu que a direita
confeccionasse o despropositado espantalho político segundo o qual um Brasil
governado pelo PT poderia se transformar numa segunda Venezuela chavista. Nada
mais longe dos fatos nem mais palatável ao apetite das redes de mentiras.
Seria bom acabar de vez com essa
mal-intencionada tolice.
O momento favorece a atuação do Brasil por
uma transição negociada para a democracia no país vizinho. As sanções de
Washington para forçar a queda de Maduro falharam, como demonstra o Serviço de
Pesquisa do Congresso americano na edição de 30 de novembro do boletim In
Focus, no texto "Venezuela, Overview of US Sanctions"
(Venezuela, visão geral das sanções dos EUA).
Ao mesmo tempo, as divididas e
desorientadas oposições internas ao populismo parecem mais do que nunca
dispostas a negociar com o inimigo.
Hora de o Brasil entrar em cena.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
2 comentários:
É bem isto! Excelente análise!
Falou pouco,mas falou bonito!
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