quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O fim da reeleição e um projeto de poder


César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se algo não falta entre certas correntes de tucanos e integrantes do DEM é visão a longo prazo. A reeleição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, apoiado numa aliança tríplice entre o ex-PFL, o PMDB quercista e o PSDB serrista deixou de ser vista como circunstancial. É encarada agora como um bom augúrio, um sinal providencial de que o Brasil entrará em breve em um longo ciclo de dominação política. O exemplo citado é o do PRI mexicano, o partido que controlou aquele país entre 1930 e 2000, em período apelidado pelo escritor Mario Vargas Llosa como "a ditadura perfeita".

Por este modelo idealizado, a idéia do fim da possibilidade de reeleição, lançada inicialmente pela oposição mas vista com simpatia em setores governistas, seria o primeiro passo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em tese seria um beneficiário da mudança, já que poderia adiantar a sua tentativa por um segundo período na presidência. Mas para determinado círculo de oposicionistas o fim da reeleição prescindiria de um acordo com Lula. Passaria apenas por um acerto entre as cúpulas dos dois partidos de oposição e do PMDB nacional. A reeleição se extinguiria após a disputa de 2010. Ainda sobreviveria para os prefeitos eleitos no último domingo, pela tese do direito adquirido.

Reeleição terminada, entra-se no segundo passo, que seria o aumento dos mandatos do presidente, dos governadores e do Legislativo para cinco anos, de maneira às eleições subsequentes a de 2010 coincidirem em 2015. Não está claro como ficaria o desenho institucional dos mandatos municipais. Haveria um mandato tampão de três anos para os eleitos de 2012, de modo a se promover a coincidência de todas as eleições no pleito seguinte? Deixaria-se da forma como está, já que pelo calendário haveria uma junção de todas as eleições em 2020?

O terceiro passo é o da aliança para a chapa presidencial, em que o governador de São Paulo, José Serra, encabeçaria a aliança, escoltado pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, na posição de vice-presidente, com o compromisso de o PMDB ter o direito de indicar o candidato presidencial em 2015. Paralelamente, o instituto da fidelidade partidária seria revisto, de modo a permitir aos pemedebistas captar no mercado de legendas o nome ideal para a disputa.

Os defensores desta arquitetura imaginam que já para 2010 disporiam de uma fórmula muito difícil de ser batida pela força do governo federal e o carisma do presidente Lula: somariam o primeiro e o segundo maior colégio eleitoral do País e três partidos que, juntos, hoje, controlam 14 dos 27 governos estaduais, 210 dos 513 deputados e 46 dos 81 senadores.

Os aliados de Serra na oposição já traçaram até a rota de quais seriam os pemedebistas a serem procurados para a conversa: a lista começa pelo ministro da Integração Nacional, o baiano Geddel Vieira Lima. Passa pelos governadores do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli; do Paraná, Roberto Requião; e de Santa Catarina, Luís Henrique. São dirigentes que possuem em comum uma relação conflituosa com o PT em seus Estados. O ex-governador paulista Orestes Quércia e o senador Jarbas Vasconcelos (PE) já são vistos como aliados.

Também existe a noção de quais pemedebistas estão solidamente vinculados a Lula e devem ser, a princípio isolados: o rol se inicia pelo ex-presidente e senador José Sarney (AP) e sua filha, a senadora Roseana Sarney (MA), passando em seguida pelo prefeito de Goiânia, Iris Rezende, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, e o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho. Todos ou são aliados, ou estão muito próximos do PT em seus respectivos Estados.

Para que tudo isso abandone o terreno do onírico, ainda há um longo caminho. A idéia não entusiasma pemedebistas que já se declararam favoráveis à candidatura presidencial de Serra, como Orestes Quércia. "É um acordo que deixa todas as intenções muito evidentes. Assim fica díficil", comenta. Também é recebida com frieza por dirigentes tucanos que não estão alinhados ao serrismo. Um parlamentar da sigla, não-alinhado a Serra lembra que há tucanos defensores do princípio da reeleição por questões doutrinárias. "Não é preciso mudar a Constituição do país para fazer a aproximação entre o governador paulista e o mineiro e entre ambos e o PMDB", ironizou.


César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às quintas-feiras, Maria Inês Nassif, está em férias

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