terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Rosa Luxemburgo

Leandro Konder,
DEU NO JORNAL DO BRASIL / IDÉIAS & LIVROS
(27/12/2008
)

RIO - Há 90 anos, Rosa Luxemburgo e seu amigo Karl Liebknecht, ex-deputado, estavam refugiados em casa de um correligionário. Eram tempos tumultuados na Europa. Os operários alemães, aborrecidos com os baixos salários e com inveja dos trabalhadores russos, que tinham feito uma revolução, armaram barricadas nas ruas de Berlim. O partido de Liebknecht e Rosa Luxemburgo – a recém-fundada Liga Spartacus – tinha apoiado a revolta.

Rosa Luxemburgo se sentia eticamente comprometida com o movimento, mas sabia que ele não tinha chance de vencer. No dia 15 de janeiro de 1919, um grupo de soldados da divisão de cavalaria da guarda prendeu Rosa e Liebnecht, levou-os ao Hotel Éden, onde foram interrogados pelo capitão Pabst e espancados por seus capangas. Em seguida, o tenente Vogel levou os prisioneiros para um lugar pouco freqüentado à margem do rio, e seus asseclas os mataram. Foi aberto um inquérito que não apurou coisa alguma. No caso específico da morte de Rosa, a opinião pública ficou chocada pelo contraste entre a suavidade da vítima e a brutalidade de seus carrascos. Rosa tinha uma perspectiva política radical, porém divergia do modelo altamente centralizado de partido adotado por Lênin.
Ela dizia: “Liberdade só para os partidários do governo ou só para os membros de um partido, por maior que ele seja, não é liberdade coisa nenhuma. Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente”.

Segundo ela, o envolvimento da Spartacus na violência daquela época decorria de uma contingência trágica: “A revolução proletária não precisa de nenhum terror”. Era culta, refinada, adorava Mozart e Beethoven, admirava Rembrandt. Hannah Arendt conta um episódio que mostra toda a elegância da ativista: durante uma sessão de um congresso socialista internacional, o francês Jean Jaurès fazia uma intervenção contra Rosa e ridicularizava as teses dela, quando o tradutor precisou sair. Rosa, poliglota, assumiu a função de intérprete e traduziu com absoluta fidelidade para o alemão o discurso mordaz que seu colega fazia contra ela.

Combatia a concepção da história determinista, e até mesmo fatalista, de alguns de seus companheiros. Para ela não havia nenhuma garantia da vitória final inexorável dos revolucionários. Estava convencida de que a humanidade tanto podia avançar para o socialismo, como podia regredir para a barbárie.

Era uma fascinante combinação de razão e afetividade. Às vezes, suas críticas eram bastante violentas. Presa em 1914, adotou a linha de ação de acusação a seus acusadores, sustentando que o grande criminoso era o governo. Em 1911, durante uma reunião do partido social democrático alemão, atacou seus companheiros, considerando-os excessivamente conciliadores. Aproveitou um intervalo para espairecer; saiu para passear em companhia de sua amiga, Clara Zetkin. As duas demoraram um pouco mais do que pretendiam e, no retorno, se desculparam pelo atraso. O deputado Bebel disse que todos ficaram preocupados, com medo de um atentado. Rosa sorriu:

“Se nós fossemos assassinadas, vocês poderiam gravar na nossa sepultura: 'Aqui jazem os dois últimos homens da direção da social-democracia alemã'”.

Quem lê hoje seus livros e sua correspondência fica inevitavelmente envolvido pela luta apaixonada da militante, que se recusava a renunciar aos seus sonhos mais pessoais e não admitia sacrificá-los no altar da revolução. Através das mais de mil cartas que escreveu a Leo Jogiches, o homem que ela amou ao longo de 15 anos e com quem queria partilhar a felicidade na vida privada.

O crime contra Rosa e Liebknecht foi tão bárbaro que, mesmo depois de vários anos, ao longo do período da República de Weimar, foram feitas tentativas de processar os assassinos. Porém, eles ficaram impunes, porque foi feita uma leitura bastante ampla dos direitos dos criminosos.


Invocaram aquilo que se poderia chamar de uma anistia amplíssima. Inconformado com essa impunidade, o amor da vida de Rosa, Leo Jogiches, empreendeu uma investigação por conta própria. Foi assassinado pelos bandidos de sempre.

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