Nos últimos anos, cresceu a violência nas universidades, assim como o descrédito das lideranças. O que fazer para evitar o desastre?
MESMO QUANDO um professor chama a polícia para combater alunos desordeiros, ele simplesmente abdica de sua tarefa de professor; trata-os como se fossem transgressores, esquecendo que precisam ser educados.
Porém, tendo os estudantes se associado a grupos baderneiros, não cabia à reitora chamar a polícia para garantir o patrimônio público?
Se, entretanto, a reitora pode ter razão nesse ponto, cabe examinar como se chegou a essa crise em que ela deixa de ser professora para vestir o uniforme da repressão.
Na tarde de terça-feira, estudantes, funcionários e professores se manifestavam contra a presença da polícia no campus. Alguns extravasaram os limites do bom senso, acuando a polícia, que, reforçada, reagiu com violência. Felizmente só houve feridos.
Fora os esquentados de sempre, sobretudo o pessoal da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais) e da ECA (Escola de Comunicações e Artes), o resto da universidade funcionava normalmente, mantendo o curso das atividades costumeiras. Total esquizofrenia. Como todos não se mobilizaram para impedir a barbaridade do conflito?
É evidente que as lideranças atuais perderam qualquer legitimidade. Reiteradamente no mês de maio começam as negociações para reposição salarial e outras reivindicações.
O orçamento das três universidades paulistas está bloqueado, sobretudo porque, durante a negociação da autonomia universitária, não se criou um fundo de pensão responsável pelo pagamento dos aposentados. Hoje, eles representam por volta de 30% do orçamento da USP, que, segundo última informação, teria chegado a gastar 85% com pessoal. Obviamente o restante não basta para tocar uma universidade. A USP estaria falida se não fosse a Fapesp.
A falta de recursos disponíveis leva ao impasse. O sindicato de funcionários decreta a greve, algumas unidades diminuem suas atividades, a biblioteca, o "bandejão", a creche e os ônibus circulares param (a greve parece ser contra os estudantes pobres).
A maioria, no entanto, continua trabalhando como se nada estivesse acontecendo.Em geral, as lideranças dos professores e dos alunos acabam aderindo.
Na base de reivindicações abstratas, a greve se resume a uma triste encenação. Depois de algumas escaramuças, as partes cedem, obviamente sem ônus para os grevistas. Terminada a greve, eles fazem de conta que repõem as atividades retidas.
A repetição desse ritual não causaria grandes danos se não abrisse cunhas para a violência.
Durante a greve, prédios são ocupados, o patrimônio passa a ser depredado e grupos entram em choque. Até onde vai esse apodrecimento?
A indiferença da maioria dos atores termina criando espaço para os ditos "radicais". São aqueles que acreditam piamente que, dado o caráter repressor do aparelho do Estado, devem mudar, mediante violência, a universidade e o país.
Em vez de explorarem as ambiguidades da legislação vigente para mobilizar a sociedade civil visando forçar mudanças nas leis pelas leis, simplesmente se tomam como agentes sem compromissos com a legalidade. Consideram legítima sua violência e espúria qualquer reação.
Já que a maioria dos universitários não embarca nesses enganos -eles não se confundem com a sociedade nem acreditam que, no mundo de hoje, uma crise no Estado de Direito pode aprofundar a democracia-, os ditos radicais se isolam de seus representados, transformando uma possível violência política numa simples ação criminosa.
Nos últimos anos, cresceu a violência nas três universidades públicas paulistas, assim como aumentou o descrédito das lideranças. O que fazer para evitar o desastre?
Não sejamos ingênuos: passada a agitação presente, tudo voltará ao "normal" antigo. A não ser que professores, estudantes e funcionários se mobilizem e assumam a dualidade de suas funções sociais.
Se, de um lado, devem ser bons profissionais, de outro, não podem ignorar suas responsabilidades políticas, inclusive bloquear a burocracia para que possam agir por inteiro.
Repensar as pautas fantasiosas que têm marcado as últimas reivindicações é a tarefa mais elementar. No final das contas, que universidade queremos?
José Arthur Giannotti , filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".
2 comentários:
Se a última questão for respondida, independentemte da resposta, o encanto acaba. Os movimentos vão ter que assumir uma responsabilidade enorme com a implementação de uma alternativa que pode colocar o mundinho universitário de pernas para o ar. Por que sair dessa zona de conforto onde o inimigo está muito bem caracterizado, onde o bem e o mal são tão bem descritos e onde interesses corporativos são facilmente travestidos de luta libertária. O diagnóstico, embora preciso, poderia ser transportado para 80 ou 90% das universidades públicas relevantes. Se recuarmos no tempo o único componente distintivo talvez fosse à violência. A violência na USP, contudo é fruto do distanciamento crescente entre movimento, representantes, representados e a própria sociedade. Em fim o que acontece na USP é um estágio superior de um processo de corporativismo, radicalização e banalização de agendas reivindicatórias e instrumentos de luta. Sobre o movimento estudantil além de distanciado das suas bases se divide atualmente entre o radicalismo inconseqüente, infantil e marginalizado e um peleguismo chapa branca desavergonhado e adesista.
Professor Giannotti está coberto de razão, a violencia pela violencia, quando o meu professor no curso de ciencias sociais disse para eu "voce nasceu somente para procriar?", consegui entender que eu era um cidadão consciente e batalhador pelo conhecimento, mas dentro de uma sociedada caótica, vivia no tempo da ditadura
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