quarta-feira, 15 de julho de 2009

O que significa controlar a Receita?

Elio Gaspari
DEU EM O GLOBO


O ministro Guido Mantega seguiu o tom de um governo que defende a blindagem das cavalariças do Senado em nome da governabilidade: decidiu fritar a secretária da Receita Federal, Lina Vieira. Logo ela, que reagiu ao festival de incentivos aos sonegadores votados pela bancada governista no Congresso, dizendo que “o bom contribuinte se sente um otário”.

Pelas contas do Ipea, os otários estão preferencialmente no andar de baixo. Quem ganha até dois salários mínimos é um otário de primeira e trabalha 197 dias por ano para pagar seus impostos. Quem ganha mais de 30 salários mínimos é otário de segunda e rala 106 dias. O grande sonegador ganha perdões e parcelamentos.

Otário será quem acreditar que Lina Vieira “não controlou a Receita”.

Isso não é motivo de demissão, mas de homenagem. Controlada, a Receita vira balcão. Os auditores fazem seu serviço de acordo com a lei e as normas do serviço. Se ela foi frita porque não aceitou algumas propostas de controle, o caso está mais para a jurisdição do Código Penal do que para as leis tributárias.

Otário será quem acreditar que a demissão de Lina Vieira deveu-se a uma queda na arrecadação. Se a atividade econômica do país contraiu-se e o governo conjura a crise com redução de tributos, o lógico seria uma queda na arrecadação de tributos.

Será otário também quem acreditar que Lina Vieira fez algo de errado ouvindo o sindicato dos auditores para a preenchimento de postos de chefia. O Unafisco, ao contrário do sindicato dos pipoqueiros, reúne servidores do Estado que chegaram à Receita por concurso público. Com oito mil associados na ativa, agrupa 95% da categoria.

Ao contrário do que sucede com o sindicalismo palaciano, suas eleições têm mais de 70% de comparecimento e nos últimos dez anos alternaram vitórias da situação e da oposição. Por 85% a 15% os auditores vetaram a associação do Unafisco a qualquer central sindical. Mais: abundam exemplos de diretores da guilda que deixaram suas funções sindicais e retornaram ao chão das repartições. Pode-se reclamar do gosto que o Unafisco tem pelas greves (uma a cada dois anos), mas deve-se reconhecer que foi ele quem mordeu os calcanhares da quadrilha aninhada na cúpula da Receita. A primeira denúncia aconteceu em 1995 e em 2008 um magano foi demitido e outro, destituído.

Durante os últimos meses a secretária da Receita recebeu poderosas sugestões para nomear os superintendentes em Porto Alegre, Curitiba e Fortaleza. Não atendeu. Se tivesse atendido, o governo passaria pelo constrangimento de justificar a indicação de afilhados de empresários, ministros e governadores para funções técnicas.

Se a Receita de Lina Vieira foi aparelhada politicamente, como é que se explica a fiscalização da contabilidade da Petrobras dos doutores Sérgio Gabrielli e Almir Barbassa? Em matéria de aparelhamento, a Petrobras é uma universidade. Aparelho não incomoda aparelho. Se o ministro Guido Mantega contrariou-se com essa fiscalização, não deve contar para ninguém, pois o sentimento comprometerá sua biografia.

No pior cenário, é possível que Lina Vieira tenha ido para a frigideira porque não controlou a Receita. Falta definir “controle”.

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