Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O presidente do Senado, José Sarney, abriu mão da divisa de respeito conquistada como condutor do primeiro governo civil da transição democrática em sua passagem pelo Palácio do Planalto, entre março de 1985 e janeiro de 1990.
O que fez pela democracia lá, Sarney desfaz agora, ao transformar o Senado Federal em quintal do Palácio do Planalto. Ao mentir a seus pares, ignorar o desejo da maioria e impor ao colegiado a presença de um presidente cuja figura - por justiça ou contingência - sintetiza o pior da política brasileira, José Sarney desrespeita a instituição.
Menospreza a independência do Parlamento, se deixa tutelar pelo Poder Executivo, abre as portas do Congresso para a interferência oficial do presidente da República e, portanto, agride a Constituição e afronta a própria essência do regime democrático que anos atrás ajudou a reconstruir.
Por aquela contribuição perdoaram-se seus malfeitos biográficos. A fim de não incorrer no pecado da condenação por crime de opinião, não incluamos entre eles seu apoio ao regime militar. Fiquemos, pois, no gosto pela política patrimonialista e no desastre da política econômica atrelada a interesses eleitorais.
Mesmo saído da Presidência da República tão rejeitado que sequer pôde atuar no processo da própria sucessão, Sarney recuperou-se e por anos se manteve à tona graças ao reconhecimento de sua obra de tolerância em prol da democracia.
Numa época em que ainda se ouviam com nitidez os roncos da reação, em que a memória da censura e a ação da mão pesada do poder pertenciam a um cotidiano familiar, de Sarney se falou de tudo e mais um pouco. Mas, do presidente, não se ouviu nem viu um só gesto que pudesse ser interpretado como a mais leve ameaça ao mais contundente dos adversários.
Com esse capital, o José Sarney da boa conduta democrática se sobrepôs e sobreviveu ao Sarney das velhas práticas. Atravessou o período delicadíssimo da Constituinte numa condução politicamente impecável.
Deu espaço à consolidação da relação promíscua Legislativo-Executivo sob a égide do lema "é dando que se recebe". Mas não o fez sozinho nem por vontade exclusiva. Teve parceiros poderosos, muitos dos quais celebrados em postos de honra para a eternidade.
Nunca, porém, interferiu no processo. Mesmo, conforme alertou à época, considerando que muitas das decisões dos constituintes tornariam o Brasil ingovernável. Em boa medida, estava coberto de razão. Nem por isso invocou a parceria da força, ainda relativamente viva em vários setores. Nos quartéis, inclusive.
Deixou que a democracia seguisse o seu destino, aos trancos e barrancos, mais erros que acertos.
No fim da carreira, contudo, achou por bem inverter a equação. Entrega o Senado na bandeja à Presidência da República. Não importa que a força agora venha das ruas e não das Armadas.
O fato inquestionável é que José Sarney patrocina o aprofundamento do desequilíbrio entre os Poderes que, não obstante não ter sido por ele inventado, poderia ter sido limitado por ação de consciência democrática.
Há 25, 30 anos, o presidente José Sarney aceitou a evidência: era menor que o País, que o projeto de transição engendrado por um conjunto de forças capitaneado por Tancredo Neves e, de acordo a circunstância, se conduziu.
Agora, o senador José Sarney, talvez pela urgência e premência da falta de tempo, transforma suas agruras individuais em sinuca coletiva.
A maioria dos partidos da Casa por ele presidida pediu que se licenciasse quando apareceram as primeiras denúncias envolvendo gente nomeada por ele para a cúpula administrativa do Senado.
A quase totalidade dos senadores passou a desejar sua renúncia depois que as acusações o atingiram pessoalmente.
E Sarney - que até por dever dos ofícios já prestados, teria um nome a zelar -, simplesmente ignora a posição e o constrangimento de seus pares e se esconde sob as asas do presidente da República, ao modo de um Renan Calheiros qualquer.
Vê seu destino ser decidido em reunião de ministério, assiste a bancada do PT ser enquadrada como se de delegação popular não dispusesse, enxerga perfeitamente o obstáculo que representa a que o Senado ao menos tente dar uma virada, e nada faz além de pensar em si.
Que o presidente Luiz Inácio da Silva não veja o cenário sob uma ótica institucional, sabe-se desde que o PT por ele comandado recusou-se a avalizar todas as ações de avanço nos últimos anos - da transição com Tancredo à estabilização da moeda, passando pela Constituinte.
Mas de José Sarney, pelo passado ora tão invocado e celebrado, era se esperar uma compreensão mais elaborada da História e uma visão mais aprimorada da democracia no Brasil.
CONCEITO DE ÉTICA
Determinados integrantes fazem do Conselho de Ética do Senado uma contradição em termos.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O presidente do Senado, José Sarney, abriu mão da divisa de respeito conquistada como condutor do primeiro governo civil da transição democrática em sua passagem pelo Palácio do Planalto, entre março de 1985 e janeiro de 1990.
O que fez pela democracia lá, Sarney desfaz agora, ao transformar o Senado Federal em quintal do Palácio do Planalto. Ao mentir a seus pares, ignorar o desejo da maioria e impor ao colegiado a presença de um presidente cuja figura - por justiça ou contingência - sintetiza o pior da política brasileira, José Sarney desrespeita a instituição.
Menospreza a independência do Parlamento, se deixa tutelar pelo Poder Executivo, abre as portas do Congresso para a interferência oficial do presidente da República e, portanto, agride a Constituição e afronta a própria essência do regime democrático que anos atrás ajudou a reconstruir.
Por aquela contribuição perdoaram-se seus malfeitos biográficos. A fim de não incorrer no pecado da condenação por crime de opinião, não incluamos entre eles seu apoio ao regime militar. Fiquemos, pois, no gosto pela política patrimonialista e no desastre da política econômica atrelada a interesses eleitorais.
Mesmo saído da Presidência da República tão rejeitado que sequer pôde atuar no processo da própria sucessão, Sarney recuperou-se e por anos se manteve à tona graças ao reconhecimento de sua obra de tolerância em prol da democracia.
Numa época em que ainda se ouviam com nitidez os roncos da reação, em que a memória da censura e a ação da mão pesada do poder pertenciam a um cotidiano familiar, de Sarney se falou de tudo e mais um pouco. Mas, do presidente, não se ouviu nem viu um só gesto que pudesse ser interpretado como a mais leve ameaça ao mais contundente dos adversários.
Com esse capital, o José Sarney da boa conduta democrática se sobrepôs e sobreviveu ao Sarney das velhas práticas. Atravessou o período delicadíssimo da Constituinte numa condução politicamente impecável.
Deu espaço à consolidação da relação promíscua Legislativo-Executivo sob a égide do lema "é dando que se recebe". Mas não o fez sozinho nem por vontade exclusiva. Teve parceiros poderosos, muitos dos quais celebrados em postos de honra para a eternidade.
Nunca, porém, interferiu no processo. Mesmo, conforme alertou à época, considerando que muitas das decisões dos constituintes tornariam o Brasil ingovernável. Em boa medida, estava coberto de razão. Nem por isso invocou a parceria da força, ainda relativamente viva em vários setores. Nos quartéis, inclusive.
Deixou que a democracia seguisse o seu destino, aos trancos e barrancos, mais erros que acertos.
No fim da carreira, contudo, achou por bem inverter a equação. Entrega o Senado na bandeja à Presidência da República. Não importa que a força agora venha das ruas e não das Armadas.
O fato inquestionável é que José Sarney patrocina o aprofundamento do desequilíbrio entre os Poderes que, não obstante não ter sido por ele inventado, poderia ter sido limitado por ação de consciência democrática.
Há 25, 30 anos, o presidente José Sarney aceitou a evidência: era menor que o País, que o projeto de transição engendrado por um conjunto de forças capitaneado por Tancredo Neves e, de acordo a circunstância, se conduziu.
Agora, o senador José Sarney, talvez pela urgência e premência da falta de tempo, transforma suas agruras individuais em sinuca coletiva.
A maioria dos partidos da Casa por ele presidida pediu que se licenciasse quando apareceram as primeiras denúncias envolvendo gente nomeada por ele para a cúpula administrativa do Senado.
A quase totalidade dos senadores passou a desejar sua renúncia depois que as acusações o atingiram pessoalmente.
E Sarney - que até por dever dos ofícios já prestados, teria um nome a zelar -, simplesmente ignora a posição e o constrangimento de seus pares e se esconde sob as asas do presidente da República, ao modo de um Renan Calheiros qualquer.
Vê seu destino ser decidido em reunião de ministério, assiste a bancada do PT ser enquadrada como se de delegação popular não dispusesse, enxerga perfeitamente o obstáculo que representa a que o Senado ao menos tente dar uma virada, e nada faz além de pensar em si.
Que o presidente Luiz Inácio da Silva não veja o cenário sob uma ótica institucional, sabe-se desde que o PT por ele comandado recusou-se a avalizar todas as ações de avanço nos últimos anos - da transição com Tancredo à estabilização da moeda, passando pela Constituinte.
Mas de José Sarney, pelo passado ora tão invocado e celebrado, era se esperar uma compreensão mais elaborada da História e uma visão mais aprimorada da democracia no Brasil.
CONCEITO DE ÉTICA
Determinados integrantes fazem do Conselho de Ética do Senado uma contradição em termos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário