Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
O maior problema do acordo com o Paraguai não é a concessão em si ao país vizinho, que pode e merece ter o apoio brasileiro para o seu desenvolvimento.
Há dificuldades técnicas concretas: hoje as distribuidoras do Sudeste são obrigadas a comprar de Itaipu. Deixarão de ser? Há também uma questão política: a concessão brasileira não encerrará a pressão paraguaia.
O governo brasileiro diz que o aumento de 213% no preço pago pelo Brasil na cessão de energia não será repassado aos consumidores do país. Ora, é preciso desconhecer o básico em economia para achar que existe um preço que ninguém paga.
Se o Paraguai vai receber mais de US$ 200 milhões a mais por ano, o dinheiro sairá de algum lugar. Se não for da tarifa, sairá do Tesouro. E o Tesouro somos todos nós contribuintes. Portanto, será pago pelos brasileiros.
É bom lembrar que a cessão de energia é apenas uma parte do que se paga ao Paraguai. A Eletrobrás paga o preço de US$ 42,5 por megawatt/hora, mas sobre isso há também royalties, encargos de administração e supervisão. A cláusula de cessão de energia é um outro acréscimo que está no anexo C do acordo.
A lei que obriga as distribuidoras brasileiras a comprar a energia gerada por Itaipu é de 1973. Fica uma dúvida: se o Paraguai pode vender parcelas crescentes de energia no mercado livre, como fica a obrigatoriedade das distribuidoras? Há outra dúvida já resolvida.
O Brasil aceitou que o Paraguai possa usar, ao vender no mercado livre, a mesma estrada que se usa atualmente: o sistema integrado de Furnas. O problema é que no mercado livre não há preço mínimo, a energia tem que ser contratada, o preço oscila, e tanto sobe quanto desce.
O próprio fato de entrar mais energia no mercado livre pode derrubar o preço.
Está entrando aí Jirau, que apostou no mercado livre para oferecer preço mais baixo na licitação. E a recessão está reduzindo o consumo. Como o Paraguai depende dessa receita para cobrir boa parte do orçamento público, é bom que isso fique muito claro, antes que haja problemas.
O Brasil também concordou que Itaipu construa para o Paraguai, com empréstimo do BNDES, a linha de transmissão de Ciudad del Este a Assunção, de 500 kv.
O Paraguai terá 13 anos para pagar. A obra é necessária e justa. Afinal, o país que tem essa quantidade de energia tem também um suprimento deficiente que provoca apagões diários no verão, e não tem insumo para atrair investimentos.
Esta é a melhor parte do projeto do governo brasileiro para a negociação. Não era justo nem sustentável essa situação. Porém, não pode ser visto pelo Paraguai como compensação por uma suposta “usurpação” brasileira. Tem que ficar claro que é uma ação de boa vontade porque interessa a todos o desenvolvimento paraguaio.
O governo Lula negocia de forma errada com os países menores da região. Parece ter uma culpa original, como se tivesse vergonha de ser grande, ou acreditasse no discurso de ocasião de que somos imperialistas. O Brasil não é. Em todo esse processo, desde a negociação do acordo, a construção da usina, a operação de forma compartilhada do empreendimento, em todos os detalhes, o Brasil não se comporta como uma potência colonialista. Pelo contrário.
O Paraguai de vez em quando ameaça ir a cortes internacionais discutir o tratado. Ora, que vá. O Brasil deveria querer que não pairem dúvidas sobre a legitimidade do acordo, porque como ficará claro que o tratado é juridicamente perfeito, o país poderá fazer suas propostas em bases mais maduras.
O presidente Lugo tem problemas. Falarei dos problemas políticos. Sua base política é pulverizada em vários pequenos partidos, de diversas tendências, algumas bem radicais. Ele precisa, para manter um mínimo de governabilidade, do apoio do adversário Lino Oviedo. O general que já tentou um golpe no passado, já morou no Brasil, e voltou para fazer política legalmente no país, virou o pêndulo. Ele aceita dar apoio ao governo — mas não quer cargos — mas estuda caso a caso esse respaldo.
Lugo tem feito um governo considerado pelos analistas como “medíocre”, não tem quadros de competência comprovada, e a máquina continua dominada pelo vetusto Partido Colorado, que está no poder desde os tempos da ditadura de Stroessner.
Lugo precisa apresentar o acordo assinado neste fim de semana como uma redenção nacional, como uma prova de ele venceu o gigante, como nunca antes na história desse Paraguai. Desta forma ele se fortalece, mas ao mesmo tempo fortalece a ideia de que o Brasil é devedor de compensações ao país. Logo, os paraguaios concluirão que isso não basta, que outras exigências podem ser feitas.
Querer o desenvolvimento do Paraguai, todos querem.
Mas não temos compensações a fazer. O Brasil ao decidir pela construção de Itaipu naquele ponto, e não em outra parte do rio, ganhou um pouco mais de potência, mas também criou para o Paraguai um ativo que ele não tinha ainda. O Brasil emprestou o dinheiro para o Paraguai integralizar a parte dele; pegou empréstimos internacionais; deu o aval do Tesouro; construiu a usina; e divide a administração da empresa de forma paritária. Não tem do que se envergonhar.
Com Alvaro Gribel
DEU EM O GLOBO
O maior problema do acordo com o Paraguai não é a concessão em si ao país vizinho, que pode e merece ter o apoio brasileiro para o seu desenvolvimento.
Há dificuldades técnicas concretas: hoje as distribuidoras do Sudeste são obrigadas a comprar de Itaipu. Deixarão de ser? Há também uma questão política: a concessão brasileira não encerrará a pressão paraguaia.
O governo brasileiro diz que o aumento de 213% no preço pago pelo Brasil na cessão de energia não será repassado aos consumidores do país. Ora, é preciso desconhecer o básico em economia para achar que existe um preço que ninguém paga.
Se o Paraguai vai receber mais de US$ 200 milhões a mais por ano, o dinheiro sairá de algum lugar. Se não for da tarifa, sairá do Tesouro. E o Tesouro somos todos nós contribuintes. Portanto, será pago pelos brasileiros.
É bom lembrar que a cessão de energia é apenas uma parte do que se paga ao Paraguai. A Eletrobrás paga o preço de US$ 42,5 por megawatt/hora, mas sobre isso há também royalties, encargos de administração e supervisão. A cláusula de cessão de energia é um outro acréscimo que está no anexo C do acordo.
A lei que obriga as distribuidoras brasileiras a comprar a energia gerada por Itaipu é de 1973. Fica uma dúvida: se o Paraguai pode vender parcelas crescentes de energia no mercado livre, como fica a obrigatoriedade das distribuidoras? Há outra dúvida já resolvida.
O Brasil aceitou que o Paraguai possa usar, ao vender no mercado livre, a mesma estrada que se usa atualmente: o sistema integrado de Furnas. O problema é que no mercado livre não há preço mínimo, a energia tem que ser contratada, o preço oscila, e tanto sobe quanto desce.
O próprio fato de entrar mais energia no mercado livre pode derrubar o preço.
Está entrando aí Jirau, que apostou no mercado livre para oferecer preço mais baixo na licitação. E a recessão está reduzindo o consumo. Como o Paraguai depende dessa receita para cobrir boa parte do orçamento público, é bom que isso fique muito claro, antes que haja problemas.
O Brasil também concordou que Itaipu construa para o Paraguai, com empréstimo do BNDES, a linha de transmissão de Ciudad del Este a Assunção, de 500 kv.
O Paraguai terá 13 anos para pagar. A obra é necessária e justa. Afinal, o país que tem essa quantidade de energia tem também um suprimento deficiente que provoca apagões diários no verão, e não tem insumo para atrair investimentos.
Esta é a melhor parte do projeto do governo brasileiro para a negociação. Não era justo nem sustentável essa situação. Porém, não pode ser visto pelo Paraguai como compensação por uma suposta “usurpação” brasileira. Tem que ficar claro que é uma ação de boa vontade porque interessa a todos o desenvolvimento paraguaio.
O governo Lula negocia de forma errada com os países menores da região. Parece ter uma culpa original, como se tivesse vergonha de ser grande, ou acreditasse no discurso de ocasião de que somos imperialistas. O Brasil não é. Em todo esse processo, desde a negociação do acordo, a construção da usina, a operação de forma compartilhada do empreendimento, em todos os detalhes, o Brasil não se comporta como uma potência colonialista. Pelo contrário.
O Paraguai de vez em quando ameaça ir a cortes internacionais discutir o tratado. Ora, que vá. O Brasil deveria querer que não pairem dúvidas sobre a legitimidade do acordo, porque como ficará claro que o tratado é juridicamente perfeito, o país poderá fazer suas propostas em bases mais maduras.
O presidente Lugo tem problemas. Falarei dos problemas políticos. Sua base política é pulverizada em vários pequenos partidos, de diversas tendências, algumas bem radicais. Ele precisa, para manter um mínimo de governabilidade, do apoio do adversário Lino Oviedo. O general que já tentou um golpe no passado, já morou no Brasil, e voltou para fazer política legalmente no país, virou o pêndulo. Ele aceita dar apoio ao governo — mas não quer cargos — mas estuda caso a caso esse respaldo.
Lugo tem feito um governo considerado pelos analistas como “medíocre”, não tem quadros de competência comprovada, e a máquina continua dominada pelo vetusto Partido Colorado, que está no poder desde os tempos da ditadura de Stroessner.
Lugo precisa apresentar o acordo assinado neste fim de semana como uma redenção nacional, como uma prova de ele venceu o gigante, como nunca antes na história desse Paraguai. Desta forma ele se fortalece, mas ao mesmo tempo fortalece a ideia de que o Brasil é devedor de compensações ao país. Logo, os paraguaios concluirão que isso não basta, que outras exigências podem ser feitas.
Querer o desenvolvimento do Paraguai, todos querem.
Mas não temos compensações a fazer. O Brasil ao decidir pela construção de Itaipu naquele ponto, e não em outra parte do rio, ganhou um pouco mais de potência, mas também criou para o Paraguai um ativo que ele não tinha ainda. O Brasil emprestou o dinheiro para o Paraguai integralizar a parte dele; pegou empréstimos internacionais; deu o aval do Tesouro; construiu a usina; e divide a administração da empresa de forma paritária. Não tem do que se envergonhar.
Com Alvaro Gribel
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