terça-feira, 28 de julho de 2009

A falta que faz o "Sacro Colégio"

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A uma semana do fim do recesso, a crise do Senado continua tão ou mais grave do que antes. E o que é pior: não há ninguém à mão com autoridade política para negociar uma saída institucional satisfatória. Para o Senado e para a opinião pública. Enfraquecido, o atual Congresso está sob suspeição para tratar de assuntos que vão afetar as próximas gerações de brasileiros. A regulamentação da exploração das reservas do pré-sal, para citar apenas um exemplo.

A crise do Senado já seria ruim em si mesma, se não houvesse suspeita pior: a de que ela também está sendo manipulada por setores do Executivo e do PT para minar a candidatura da ministra Dilma Roussseff (Casa Civil) a presidente da República. Independente do mérito das denúncias contra o senador José Sarney, é fato que misturaram-se a crise do Senado e a sucessão presidencial de 2010.

É essa urdidura que explica que no Senado oposição - na guerra para reconquistar o poder perdido em 2002 - e governistas, esquerda e direita históricos, estejam taticamente do mesmo lado. Não é à toa que a oposição cobra a demissão de Tarso Genro, pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul, do ministério que manda na Polícia Federal (Justiça).

As acusações contra Sarney ocorrem na sequência do escândalo em que envolveu o presidente anterior, Renan Calheiros, enredado numa trama de best-seller com sexo e dinheiro, política e poder. Renan, por seu turno, entrou em cartaz depois dos "Aloprados", pastelão que nem de perto alcançou o sucesso e a bilheteria do "Mensalão".

Estar no Congresso hoje virou demérito. Veja-se a frase do senador Tasso Jereissati à revista Época, edição que está nas bancas: "Às vezes, eu sinto vergonha de ser senador". O senador José Sarney sem dúvida "se apequenou", como afirma Tasso à revista. Era ele quem sempre mencionava o "Sacro Colégio de Cardeais", um grupo de parlamentares de vários partidos que, por sua experiência e responsabilidade, como contou em livro o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, teria uma visão institucional - na hora das crises, era a eles que se devia apelar. O "Sacro Colégio" não há mais.

Era gente como Paulo Brossard, Roberto Campos, Tancredo Neves, Jarbas Passarinho, Delfim Netto (quando o tremor de terra era na economia), o próprio Sarney e - indo um pouco mais atrás - Afonso Arinos, para citar apenas alguns nomes.

No Congresso todo podia-se contar uns 50 parlamentares com essa visão institucional acima dos partidos e sectarismos políticos. Sem saudosismos: o radicalismo, o jogo da sobrevivência eleitoral e o patrimonialismo são hoje a regra e contaminam as relações do atual Congresso.

O dr. Ulysses, como era chamado o deputado Ulysses Guimarães, presidente do ex-MDB e do PMDB, um dos cardeais mais influentes do "Sacro Colégio" na ditadura e na redemocratização, costumava dizer que uma Legislatura era sempre melhor que a anterior e pior que a próxima (ele falava "Congresso"). Muito bom como frase de efeito, provavelmente um exagero, mas desconcertantemente atual, quando se vê o Senado emparedado com as denúncias contra Sarney.

Os cardeais que pontificam a atual crise parecem mais preocupados com os holofotes da TV Senado, quando não estão eles próprios devendo explicação a seus eleitores sobre a extensão do envolvimento de cada um na crise.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), ex-candidato a presidente da República, nome acima de suspeitas e educador respeitado, já conseguiu armar uma confusão que levou a uma discussão sobre o fechamento do Senado - tese, aliás, da corrente no PT do ministro que chefia a PF. Mas Cristovam Buarque também estava na lista dos favores de Agaciel Maia, o ex-todo-poderoso diretor do Senado.

O mesmo aconteceu com Artur Virgílio (AM), o líder do PSDB e o "ético" Pedro Simon (RS). Jereissati, que fez um governo premiado no Ceará, anda, também jogado na roda de moer da crise, anda enfurecido, quando poderia ser uma voz de equilíbrio.

O líder do Democratas (DEM), José Agripino, ficou repetitivo. E Eduardo Suplicy (PT-SP)? Tem razão Lula, o grande sustentáculo do presidente José Sarney: como é que ele ficou mais de 18 anos no Senado - está no 3º mandado - e não viu nada?

O comportamento errático da bancada do PT no Senado confunde mais do que explica a situação dos partidos na crise. Tendo o senador Aloizio Mercadante (SP) à frente, petistas querem o afastamento de Sarney do cargo. Nisso, estão juntinhos com o Democratas e PSDB, seus adversários na disputa de 2010. O DEM votou declaradamente em Sarney para presidente do Senado; o PSDB, contra. Assim como o PT.

Nem todos os senadores do PT defendem essa posição. Mas, pelo menos até agora, todos foram obrigados a engolir o apoio irrestrito que o presidente Lula deu a José Sarney, aliado de primeira hora de seu governo.

O apoio de Lula a Sarney é registrado nos partidos como resultado de um acordo para o apoio formal do PMDB a Dilma Rousseff nas eleições de 2010. Daí a ofensiva da oposição contra o presidente do Senado, na esperança de dividir os pemedebistas e eles fiquem sem candidato na sucessão presidencial do próximo ano.

Os ataques do PT a Sarney têm o mesmo efeito: enfraquecem a ala mais dilmista do partido (a bancada dos senadores) e também contribuem para que os pemedebistas cheguem rachados à eleição.

Sem porta de emergência, os senadores assistem passivos o esgarçamento das instituições: o Executivo é um poder de um escaninho só, apenas Lula fala; o Congresso está de joelhos, com o presidente do Senado pendurado na corda bamba do que Lula diz, e o Judiciário, quando extrapola sua função para além de interpretar a Constituição.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

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