terça-feira, 6 de abril de 2010

Morte e vida Severina (Auto de Natal Pernambucano) – parte 15:: João Cabral de Melo Neto

COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM-NASCIDO

— Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues;
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
— Minha pobreza tal é
que coisa não posso ofertar:
somente o leite que tenho
para meu filho amamentar;
aqui são todos irmãos,
de leite, de lama, de ar.
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-se assim de letras
vai um dia ser doutor.
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d'água de Lagoa do Carro,
trago aqui água de Olinda,
água da bica do Rosário.

— Minha pobreza tal é
que grande coisa não trago:
trago este canário da terra
que canta corrido e de estalo.
— Minha pobreza tal é
que minha oferta não é rica:
trago daquela bolacha d'água
que só em Paudalho se fabrica.
— Minha pobreza tal é
que melhor presente não tem:
dou este boneco de barro
de Severino de Tracunhaém.
— Minha pobreza tal é
que pouco tenho o que dar:
dou da pitu que o pintor Monteiro
fabricava em Gravatá.

— Trago abacaxi de Goiana
e de todo o Estado rolete de cana.
— Eis ostras chegadas agora,
apanhadas no cais da Aurora.
— Eis tamarindos da Jaqueira
e jaca da Tamarineira.
— Mangabas do Cajueiro
e cajus da Mangabeira.
— Peixe pescado no Passarinho,
carne de boi dos Peixinhos.
— Siris apanhados no lamaçal
que há no avesso da rua Imperial.
— Mangas compradas nos quintais ricos
do Espinheiro e dos Aflitos.
— Goiamuns dados pela gente pobre
da Avenida Sul e da Avenida Norte.

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