quarta-feira, 23 de junho de 2010

Aumenta a dependência do país ao capital especulativo

DEU EM O GLOBO

BC reduz previsão de entrada de investimentos estrangeiros produtivos

O Banco Central e o mercado reduziram a previsão de entrada de investimento estrangeiro direto - produtivo - no país para 2010. A estimativa para este ano era atrair US$ 45 bilhões, e o BC reviu a projeção para US$ 38 bilhões. O mercado aposta em US$ 35 bilhões, como consequência da crise na Europa Com isso, para fechar suas contas externas, o Brasil passa a depender do ingresso do capital financeiro, mais especulativo, que chega em busca de juros altos e ganhos com ações. É esse dinheiro que passa a financiar o déficit com o exterior, que só em maio ficou em US$ 2,02 bi, o pior desde 2001.

Uma conta que não fecha

BC reduz projeção de investimento externo produtivo e país dependerá de capital especulativo

Patrícia Duarte

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO - A crise europeia acertou em cheio a entrada de Investimento Estrangeiro Direto (IED), voltados para o setor produtivo, no Brasil. O Banco Central (BC) anunciou ontem a revisão de sua projeção para o ingresso desses recursos em 2010, que caiu 15,56%, de US$ 45 bilhões para US$ 38 bilhões. Os dados oficiais revelam que, nos cinco primeiros meses deste ano, recuaram especialmente os desembolsos originados na Holanda — por onde passam muitas aplicações europeias antes do aporte no país — e na Espanha.

A nova estimativa para o fluxo de recursos produtivos, apesar de maior que o volume do ano passado (US$ 25,949 bilhões), não será suficiente para bancar todo o déficit em transações correntes neste ano, que deve ficar em US$ 49 bilhões, segundo o BC. O rombo externo somente será coberto com a ajuda dos capitais estrangeiros voltados para ações e títulos de renda fixa no país, um fluxo mais volátil e que costuma ser de curto prazo, cujo superávit estimado é de US$ 35 bilhões.

Maio teve pior déficit externo desde 2001

Em maio, as transações correntes do país fecharam com déficit de US$ 2,020 bilhões, o pior resultado para o mês desde 2001, quando ficou em US$ 2,186 bilhões. O mau desempenho veio sobretudo das remessas de lucros e dividendos, que somaram US$ 2,880 bilhões no período. Em junho, até ontem, já somavam US$ 1,724 bilhão.

Mas, para o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, o cenário para as contas externas este ano não preocupa: — O déficit (em conta corrente) não é desconfortável, representa cerca de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos no país). Nós agora somos credores líquidos (externos) e temos reservas elevadas (acima de U$ 250 bilhões).

A Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) também reviu para baixo sua estimativa para o fluxo de investimentos estrangeiros diretos para o Brasil este ano: de US$ 45 bilhões para US$ 35 bilhões neste ano, devido à crise financeira na Europa.

— O que se vê no mundo é uma recuperação parcial da crise financeira de 2008 — afirmou o presidente da Sobeet, Luiz Afonso Lima.

No grupo de principais nações investidoras no país, as maiores retrações, comparando os períodos de janeiro a maio de 2009 e 2010, incluem Holanda — de US$ 2,651 bilhões para US$ 1,144 bilhão — e Espanha — de US$ 1,073 bilhão para US$ 313 milhões, segundo os dados do BC. Com isso, a participação holandesa no IED total caiu de 20,6% para 7,3%, e a espanhola, de 10,8% para 2%.

A Suíça assumiu o posto de país que mais envia IED para o Brasil, com US$ 4,856 bilhões (31%). Deixou para trás os EUA que, nos últimos anos, lideravam. Os americanos responderam por 14,2% dos aportes, com US$ 2,219 bilhões.

A desaceleração do IED, disse Lopes, está disseminada. Os setores de química, petroquímica e veículos são os que mais recebem, e devem continuar recebendo, recursos produtivos de fora. Entre janeiro e maio, só no segmento produtos químicos, as entradas de recursos somavam US$ 5,107 bilhões, 32,6% do total de IED.

Em maio, os investimentos produtivos de fora alcançaram patamares expressivos e ficaram em US$ 3,534 bilhões, o melhor desempenho para esse mês da série histórica do BC, iniciada em 1947. Em junho, até ontem, porém, perdiam força e estavam em US$ 900 milhões, devendo fechar em US$ 1,5 bilhão

Risco de câmbio mais volátil

No ano, ingressaram US$ 11,414 bilhões em investimentos estrangeiros diretos no país — para um déficit em transações acumulado de US$ 18,748 bilhões, o equivalente a 2,35% do PIB.

Este ano, para assegurar o equilíbrio no balanço de pagamentos, o país terá que contar com os investidores financeiros, voltados para ações e títulos. Com a estimativa de entradas líquidas de US$ 35 bilhões — já contando as capitalizações do Banco do Brasil e da Petrobras —, o déficit em transações correntes será facilmente financiado.

O analista sênior para América Latina do BNP Paribas, Diego Donadio, argumenta que o fato de as contas externas estarem sendo bancadas com ajuda de investimentos de portfólio — tradicionalmente capitais de curto prazo — pode aumentar a volatilidade do câmbio.

Mas nada que tire o sono.

— Déficit em conta corrente em torno de 2% do PIB, como é o nosso, é perfeitamente administrável — afirmou ele, acrescentando que a crise na Europa também pode levar investidores financeiros a procurar mercados com melhores expectativas de crescimento, como o brasileiro.

Entre janeiro e maio, os investimentos em ações no Brasil tinham superávit de US$ 5,224 bilhões, 66% a mais do que um ano antes. Já em títulos de renda fixa, o saldo estava positivo em US$ 7,89 bilhões, depois do déficit de US$ 621 milhões em igual período de 2009. Lopes, do BC, argumentou que isso ocorre porque o Brasil já tem grau de investimento, mas reconhece que a alta na taxa básica de juros atrai aplicadores.

A Selic, em 10,25% ao ano.

Na semana passada, porém, houve saída de dólares do Brasil. De acordo com o BC, o fluxo cambial — movimento de moedas estrangeiras no país — estava negativo em US$ 3,548 bilhões entre os dias 1oe 18. Uma semana antes, o déficit acumulado no mês era de apenas US$ 1,776 bilhão.

Ontem, no mercado de câmbio, o dólar comercial fechou em alta de 0,45%, a R$ 1,782. A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou praticamente estável, com pequeno recuo de 0,03% no Ibovespa, seu principal índice, que ficou em 64.810 pontos.

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