SANDRA CUREAU, VICE-PROCURADORA-GERAL ELEITORAL, DIZ NUNCA TER VISTO UMA ELEIÇÃO COMO A DESTE ANO E CRITICA A PARTICIPAÇÃO DO PRESIDENTE NA CAMPANHA DE DILMA ROUSSEFF
Eliane Cantanhêde Colunista da FOLHA
A menos de dez dias do primeiro turno, a vice-procuradora-geral eleitoral Sandra Cureau diz que nunca viu uma eleição como a de 2010 e critica a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Eu acho que ele quer, a qualquer custo, fazer a sua sucessora".
Gaúcha, 63, ela acrescenta: "É por isso que, como dizem no manifesto [de intelectuais pela democracia], ele [Lula] misturou o homem de partido com o presidente. A impressão que tenho é a de que ele faz mais campanha do que a própria candidata. É quase como se fosse uma coisa de vida ou morte". Veja os principais trechos da entrevista à Folha.
Folha - Qual o efeito do empate no STF sobre a validade da Lei da Ficha Limpa?
Sandra Cureau - Vai interferir muito no processo eleitoral, porque colocou uma quantidade enorme de candidatos no limbo. O que vai acontecer? Ninguém sabe.
Isso favorece os fichas-sujas?
Não sei, porque pode ocorrer um fenômeno como o que já vinha ocorrendo aqui no DF, onde um candidato ao governo [Joaquim Roriz, do PSC] teve seu registro impugnado desde o início e foi caindo nas pesquisas.
Processo contra poderosos não dá em nada, nem na Justiça Penal nem na Eleitoral?
Quem tem condições de pagar bons advogados recorre, recorre e recorre. Se o Congresso quer mesmo expulsar os fichas-sujas, vai ter de votar uma legislação que torne mais ágil o processo eleitoral e o processo em geral.
Como vê a troca de Roriz pela mulher dele como candidata?
Ele nunca teve uma decisão positiva. O TRE-DF indeferiu o registro, o TSE manteve o indeferimento e o ministro Carlos Ayres Britto negou o efeito suspensivo no STF. Ou seja: ele perdeu todas. Há um dispositivo na lei dizendo que candidato "sub judice" pode continuar fazendo campanha. Só que, na minha interpretação, Roriz sempre esteve com a candidatura indeferida, e isso não é estar "sub judice". Quanto à possibilidade de colocar a mulher dele, isso pode. Até na véspera você pode substituir, como quando o candidato falece.
Não é frustrante?
Mais do que frustrante. O candidato sai, mas a foto dele fica na urna. É interessante porque, no regimento do Supremo, existe um dispositivo dizendo que, quando há empate, prevalece a decisão que já existe. Teria de prevalecer, então, a decisão do TSE pela inelegibilidade [de Roriz].
Qual o balanço que a sra. faz das eleições de 2010?
Foi uma das eleições mais complicadas de que eu participei. Talvez tenha alguma coisa com o fato de eu ser mulher, mas acho que têm acontecido coisas incríveis. Pessoas se negam a dar informações que têm de dar, agressões e verdadeiras baixarias, principalmente em blogs. Fico pensando: será que, se fosse um homem, fariam a mesma coisa, tão à vontade? Há certa desobediência às decisões do TSE, certo desprezo pelo Ministério Público Eleitoral por parte de algumas autoridades.
Qual o papel do presidente da República nisso, já que ele desdenha das multas e se referiu à senhora como "uma procuradora qualquer"?
Quando ele diz que eu sou "uma procuradora qualquer por aí", ele reduz a instituição Ministério Público Eleitoral a alguma coisa qualquer. Por isso, houve reação tão veemente por parte da OAB e das entidades de magistrado e de Ministério Público. A reação foi geral. Aliás, a própria manifestação de São Paulo é consequência do que se está vivendo nesta eleição.
A sra. se refere ao "Manifesto pela Democracia", assinado por dom Paulo Evaristo Arns, ex-ministros da Justiça, outros juristas e intelectuais?
Exatamente
Eles dizem ser "constrangedor o presidente não compreender que o cargo tem de ser exercido na plenitude e não existe o "depois do expediente'". A sra. concorda?
É, e é complicado, porque a gente nunca teve esse tipo de problema antes. Não porque os presidentes não fizessem campanha para seus candidatos, mas eles faziam tendo presente que eram chefes da nação. Era de uma maneira mais republicana, ou mais democrática, não sei que palavra usar.
Como a sra. avalia a participação de Lula nesta eleição?
Eu acho que ele quer, a qualquer custo, fazer a sua sucessora. É por isso que, como dizem no manifesto, ele misturou o homem de partido com o presidente. Aquela coisa de não aceitar a possibilidade de não fazer a sucessora. A impressão que eu tenho é a de que ele faz mais campanha do que a própria candidata. Nunca vi isso, é quase como se fosse uma coisa de vida ou morte para ele.
Como a sra. reage à posição do presidente, que recebe uma multa, duas, três e...
...não está nem aí. Isso faz parte de todo um quadro, e não é uma multa que vai parar isso, ainda mais que são multas baixas.
A oposição também não comete excessos o tempo todo?
Por isso também foi multada. No caso da candidata Marina Silva [PV], foram poucas representações. Com relação ao candidato José Serra [PSDB], entrei com 26 representações, e 29 contra a candidata Dilma Rousseff [PT] e o presidente.
A sra. considera absurdo analisarem que isso possa evoluir para um nível de tensão próximo ao da Venezuela?
Por enquanto, não vejo isso, mas me preocupa muito a tentativa de desqualificar as instituições. Quando se começa a não ter respeito pelas instituições e se incentiva inclusive isso, pode levar a um caminho em que não haja autoridade, ou que a autoridade seja única. Todos os Poderes são legítimos. Um não pode se sobrepor aos outros.
No escândalo da ex-ministra Erenice Guerra, houve partidarismo da imprensa?
A imprensa prestou um serviço não só ao povo brasileiro, que paga impostos que estavam sendo usados naquelas negociações, ou negociatas, sei lá, como prestou um serviço ao presidente.
E a acusação de que há um complô da imprensa a favor de um candidato?
Não vejo, até por uma razão muito simples. Se houvesse um complô a favor de um candidato ou contra o outro, ele estaria lá nas alturas.
Um comentário:
Pois é, só que esse prestigioso serviço da imprensa poderia ter sido em outra ocasião e até mesmo nesta das campanhas eleitorais,desde que revelasse ser fruto de um trabalho permanete de investigação por parte dessa mesma imprensa,que se diz democrática, dando cobertura isenta e não escancaradamente eleitoreira, de todos os malfeitos, inclusive os imputáveis aos seus aliados, já que a corrupçâo sempre esteve e estará presente. O que não se admite é a forma e as estratégis escolhidos acintosamente para prejudicar a candidata do Governo.
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