Ação de antecessor ao longo da semana expôs fragilidade do governo na relação com Congresso
A intervenção do ex-presidente Lula para abafar a primeira crise política de sua sucessora pode ter salvo a pele do chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, mas fragilizado politicamente o governo de Dilma Rousseff. No jogo de aparências que vale muito na política, a forma ostensiva como Lula articulou a defesa de Palocci, abafando uma possível CPI para investigar a evolução patrimonial do ministro, escancarou uma presidente incapaz de articular com o Congresso, expondo as deficiências do governo, segundo cientistas políticos e líderes partidários ouvidos por Zero Hora.
– Foi uma vergonha, uma humilhação – avalia a cientista política e jornalista Lucia Hippolito.
Segundo ela, Lula até poderia ter socorrido o governo, mas não da forma explícita que fez, “expondo tão cruamente” as deficiências de uma candidata que ele mesmo fabricou.
– Poderia ter feito reuniões com Dilma, Palocci e senadores do PT. Mas discretamente, na surdina, sem sair de São Paulo. Em vez disso, viajou a Brasília, assumiu a primeira página dos jornais, tomou café com José Sarney, passou pito em todo mundo, estava numa alegria só. Foi constrangedor – afirma Lucia, que atribui a atitude ao ego e ao apego aos holofotes.
Cotado para assumir a liderança do governo no Congresso, Mendes Ribeiro (PMDB) considera que a intervenção “pode ter tornado a crise verdadeiramente crise”:
– Não gostei. Acho que posso até estar errado amanhã. Mas não era o momento. Lula pode até ajudar, mas pode passar a alguns segmentos fragilidade da presidente e do governo.
Para o cientista político Paulo Kramer, a intervenção do ex-presidente “tornou visível o que já era invisível”.
– Todo mundo já sabia da incapacidade de articulação de Dilma. A atuação de Lula no episódio passou a impressão de que temos uma presidente fraca e fez crescer o desconforto que já se sentia em relação à sua saúde – acrescenta.
Menos contundente, o senador Pedro Simon (PMDB) considera Dilma uma presidente competente e responsável, mas que lhe falta traquejo político, sobretudo para lidar com as disputas entre os partidos que apoiam o governo. Simon, no entanto, considera “positiva” a intervenção de Lula.
– Dilma foi uma escolha ultrapessoal de Lula, os dois têm amizade intensa. É natural que ele a aconselhe nessas horas de crise – entende o senador.
Para cientista política, Dilma pôs fora seu capital político
Já o senador Paulo Paim (PT) considera Lula um líder “no Brasil e no mundo”. Assim, o envolvimento dele em assuntos como o que envolve Palocci deve ser visto naturalmente.
– A bancada do PT teve um almoço com o presidente Lula e, dois dias depois, tivemos um almoço com a presidente Dilma. Ela é quem dá a última palavra – garante.
O cientista político Murillo de Aragão minimiza o episódio. Segundo ele, como presidente de honra do PT e líder do grupo que pôs Dilma no Planalto, Lula tinha o “direito legítimo” de agir. Nem a forma escancarada como atuou compromete o governo, avalia:
– Isso é irrelevante. A forma como Lula agiu deve ter sido combinada com Dilma. Pior seria não fazer nada, deixando a oposição explorar ainda mais o caso.
Enquanto Simon lembra que Dilma não costuma fazer concessões, como aconteceu no caso da votação do salário mínimo e do Código Florestal, Paulo Kramer entende que, daqui para frente, ela deveria intensificar as reuniões com deputados e senadores, tentando se aproximar não só da sua base política, mas de todo o Congresso.
– Nosso Congresso não é carimbador, como o da Venezuela, mas também não é proativo, como o dos Estados Unidos. Ele é reativo, reage ao Executivo. Se o Executivo não dá tarefas, fica aquela coisa de “mente vazia, oficina do diabo” – afirma Kramer, propondo que Dilma assuma a bandeira das reformas.
Mas Lucia Hippolito teme que seja tarde demais:
– No primeiro ano de governo, o presidente costuma ter capital político para impor sua vontade. Infelizmente, Dilma jogou esse capital fora antes de completar cinco meses no cargo.
FONTE: ZERO HORA (RS)
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