A Bahia tem um jeito. Há anos escrevi, na letra de outra música, que
bastaria que um prefeito desse um jeito na Cidade da Bahia. Infelizmente tenho
me achado cada vez mais longe de ver isso acontecer. Mesmo assim, continuo
esperando. A primeira frase, extraída de "Você já foi à Bahia?", de Caymmi
— justamente a frase que interrompo na palavra "jeito" (no original,
o verso de Caymmi se segue de "que nenhuma terra tem"), no sampling
que fiz dessa canção para complementar a minha já extensa "Terra" —,
sugere tanto a guitarra de Armandinho quanto o apoio de Jorge Amado (e o de
Glauber Rocha!) a ACM, o velho; tanto a cara de Ivete na TV quanto o livro de
Risério na estante; tanto o acarajé da Cira quanto o último texto de Ubaldo
sobre o mensalão; tanto "Deus e o diabo na terra do sol" quanto
"Faraó". Sugere mais: sugere a concomitância, em Amado, do apoio a
ACM com a campanha (que ele nunca abandonou) para que se erguesse em Salvador
um monumento a Marighella. De minha parte, sempre me identifiquei com o lado
Marighella das lutas de Jorge — e nunca com o lado ACM. Mas tenho o jeito.
"Que um prefeito desse um jeito na cidade" está do lado Marighella
da equação. Tudo pode ficar parecendo "esquerda" e
"direita", não faz mal. Mas é também algo diferente disso. É questão
de redefinição real, física, de nossa vida de provincianos nascidos ou vivendo
na primeira capital do país. Temos de mudar o nosso passado. Quando eu gritava
para o senador ACM que "ninguém é meu dono", eu queria mesmo dizer
que aquele personagem de Antônio Fagundes em Gabriela que ele representava na vida não deveria valer
mais nada.
dele seja retirado do aeroporto de Salvador. Em respeito a ele. Luís Eduardo
não parecia querer construir uma carreira política que confirmasse o
"Polígono
das Secas" de Diogo Mainardi.
Não reconheço nesse deputado nada de grandioso, mas ele foi um jovem
político promissor e civil. Não merecia o "memorial" que fica na
Avenida Paralela nem seu nome no aeroporto. Claro que mais importante é que a
Bahia não mereça ver o nome Dois de Julho substituído pelo do deputado (numa
rapidez que nunca entendi, já que, no Rio, para que se pusesse Tom Jobim no
Galeão — e mesmo assim como segundo nome — custou uns anos e várias explicações
públicas sobre as dificuldades e riscos de se renomearem aeroportos). Mas sua
memória também merecia respeito. O amor e a dor de seu pai terminaram por apequená-lo.
Luís Eduardo parecia também querer mostrar que não seria preciso rebeldia
explícita para ter criatividade política num mundo mais moderno do que aquele
que o pai dele representava; que a sombra do velho não impediria o surgimento de alguma luz própria. Sua morte entregou-o a essa
sombra histórica. ACM Neto parece-se mais com esse esboço de Luís Eduardo do
que com os monumentos a Clériston Andrade ou o assassinato do Abaeté. Salvador
está assolada pela feiura. Urbanística, arquitetônica e social.
Tudo é problema grande que havemos de saber enfrentar. Redistribuição,
educação, transporte público. Um prefeito numa cidade-chave conta muito. Eu
seria um péssimo cabo eleitoral de Neto, dadas as críticas e exigências que
faço da superação do que há de pior no legado carlista. Mas não sou obrigado a
apoiar qualquer candidato do PT. Acredito em partidos.
Mas não sou filiado a nenhum. Ainda comemoro intimamente a fundação do PT.
Penso como Demétrio Magnoli sobre não se poder tratá-lo como quadrilha. Modo de
pensar que já me tinha levado a torcer por Haddad em Sampa. Torço pelo baixinho
na Bahia porque suponho que com ele pode-se recomeçar
um papo sobre a cidade. Mesmo que seja para brigar. Com o candidato do PT fica
parecendo fim de papo. Penso de modo complexo a política eleitoral.
Não tenho credenciais de politicólogo para fazer isso. Nem preciso. Vejo o
eleitorado fazer, coletivamente, manobras mentais complicadas. As viradas paulistanas não mostraram o olhar simples que Lula queria. E aqui, quase 30%
para Freixo também disseram muito. Minha Bahia é Baby do Brasil, que,
niteroiense, conheci em Salvador, linda aos 17. E que hoje está melhor do que nunca para voltar a cantar. Mais consciente musicalmente, enriquecida
pela onda pentecostal.
Nos EUA os cantores saem dos púlpitos e vão para a
pista. Muitos voltam aos púlpitos, e, de Mahalia Jackson a Al Green, ninguém
brilha menos por isso. Fiz campanha para Freixo, amo Baby, prefiro ACM e Haddad
porque eu sou eu e nicuri é o diabo.
Fonte: Segundo Caderno / O Globo
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