quinta-feira, 6 de junho de 2013

A próxima batalha - Tereza Cruvinel

O governo vem falando grosso contra o Orçamento impositivo, mas, entre os deputados, a proposta já ganhou o selo do inexorável que periodicamente distingue alguns projetos

O Senado realizava os ritos de passagem do constitucionalista Luís Roberto Barroso para o Supremo Tribunal Federail (STF) enquanto a Câmara tentava digerir os vetos da presidente Dilma Rousseff na Medida Provisória dos Portos. A próxima batalha entre o governo e o Congresso, entretanto, vem sendo preparada sem alarde: a votação, antes do recesso de julho, da emenda constitucional que torna impositiva a execução do Orçamento federal aprovado pelo Congresso. Para o bem e para o mal, ela pode mudar os costumes político-administrativos.

O governo Dilma vem falando grosso contra a proposta, mas, entre os deputados, ela já se ganhou aquele selo do inexorável que, periodicamente, distingue alguns projetos de iniciativa do Parlamento, tal como ocorreu com o projeto que determinou a partilha dos royalties do petróleo com todos os estados. Ou com o projeto alterando as regras para a criação e a fusão de municípios, que teve o texto base aprovado anteontem. Motivos não faltam: 2014 está aí, os deputados querem se reeleger, precisam mostrar serviço aos eleitores e têm um rosário de queixas contra o governo nessa área.

Embora dispostos a resistir ao tropel, os líderes governistas prestaram atenção ontem a uma emenda surgida em suas próprias fileiras: apresentada pelo deputado petista Alessandro Molon (PT-RJ), ela aplica uma saia justa na oposição, estendendo aos governos estaduais e municipais a execução imperativa. Não teria sentido, de fato, garrotear apenas a União. Mas ele fixa também as condições em que o Executivo, por razões diversas, ficaria dispensado da imposição.

Embora ressalvando que se trata de iniciativa individual, Molon diz que a emenda pode representar um caminho do meio entre a camisa de força do texto original e a situação atual, em que o Orçamento meramente autorizador representa uma carta branca para o governo executar o que quiser ou puder, como e quando quiser. E, com isso, as emendas dos parlamentares acabam sacrificadas. Agora mesmo, elas representam quase metade dos R$ 28 bilhões contingenciados do Orçamento deste ano.

Frequentemente, o governo libera os recursos no fim do ano, quando as prefeituras não têm mais tempo para licitar a contratação de obras ou serviços. "O que estou propondo", diz ele, "é uma salvaguarda para as situações em que o governo, por razões de gestão, financeiras, técnicas ou jurídicas, terá dificuldades para executar uma despesa". Nesse caso, ele apresentará a justificativa fundamentada, publicando-a no Diário Oficial e na internet. De fato, diante de uma crise econômica ou de uma frustração de receita, seria insanidade exigir a realização de despesas sem lastro ou gravantes para as contas públicas. Uma licitação pode ter sido anulada e não ter havido condições jurídicas para a realização de outra. Ou poderia o governo concluir que uma obra em certo município é desnecessária, já havendo ali oferta do mesmo serviço.

Molon é dos poucos petistas que apontam virtudes na proposta de emenda constitucional, apresentada há 13 anos pelo falecido senador Antônio Carlos Magalhães, depois de um conflito com o então presidente Fernando Henrique Cardoso por questões orçamentárias. Foi aprovada pelo Senado em 2006. Em abril, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e agora está na comissão especial , último estágio antes de ir ao plenário. ACM dizia que sua emenda acabaria com "a humilhação dos congressitas" e que beneficiaria a própria oposição. Molon diz algo parecido: "Fixadas as situações excepcionais, a proposta tornará a execução orçamentária mais transparente e republicana. Nenhum governo poderá, por exemplo, ser politicamente seletivo na liberação de emendas, premiando apenas os seus aliados. Isso também é avanço democrático", diz ele.

Se a vontade palpável dos deputados se realizar, Dilma não poderá se valer dos vetos, como ontem. Emendas constitucionais, o Congresso aprova e promulga. Poderia o governo recorrer ao STF, intensificando a judicialização que o futuro ministro Barroso apontou ontem como algo a ser evitado.

Alto nível

Os senadores estavam dispostos a mostrar competência para sabatinar verdadeiramente um candidato a ministro do Supremo, contra a acusação de que são meros homologadores. O candidato exibiu seu preparo jurídico e intelectual sem afetação, em linguagem clara, evitando o "juridiquês". Foi afirmativo ou humilde em doses e situações corretas. Por tudo, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado realizou ontem uma sabatina de alto nível, em que frequentemente a prática do Congresso dos Estados Unidos foi citada. Aliás, o senador Roberto Requião cobrou o destino de emenda sua ao regimento, aproximando mais o nosso rito do norte-americano. Alguns senadores se ausentaram e, quando voltaram, fizeram perguntas que outros já haviam feito. Uma falha, mas ali todos correm atrás de agendas simultâneas.

Do que disse Luís Roberto Barroso, fica a constatação já feita aqui na coluna. Com ele, o STF será mais plural, mais diverso. O noticiário on-line destacou sua afirmação de que o julgamento do mensalão foi um "ponto fora da curva", pelas excepcionalidades que só os obtusos ou os parciais não enxergaram. A meu ver, mais importante foram as ponderações equilibradas sobre os limites entre os poderes. Pois do jeito que vamos, haverá uma trombada em algum momento.

Fonte: Estado de Minas

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