A tentativa de desmoralizar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que condenou os responsáveis pelo mensalão, começou com uma falsa indignação e está se tornando molecagem. Não pode ser qualificada de outro modo a atitude do vice-presidente da Câmara, que na sessão solene de abertura do ano legislativo fazia ostensivamente gestos de provocação contra o presidente da suprema corte de Justiça do país.
Sentado ao lado do ministro Joaquim Barbosa, repetia o gesto de José Dirceu e Genoino, quando, ao serem presos, fizeram-se de vítimas de uma discriminação política. Se tais gestos, naquele momento, eram apenas uma descarada farsa, repetidos agora não passam de um desrespeito ao Supremo e ao próprio Congresso Nacional.
Esse desespero dos petistas é compreensível, ainda que inaceitável. É compreensível porque o mensalão pôs a nu o que efetivamente é agora o PT, partido criado para supostamente restaurar a ética na política brasileira. A verdade é que esse partido nunca foi isso. Fingiu ser, e desse modo ganhou a adesão de algumas personalidades destacadas da vida intelectual brasileira.
Essas personalidades deram respaldo à jovem agremiação, cujo principal líder era um operário. Ninguém imaginaria que esse mesmo líder viria, mais tarde, chegado ao poder, aliar-se ao que há de pior na política nacional. Em consequência disso, aquelas personalidades, decepcionadas, deixaram o partido, sendo que algumas delas chegaram a denunciar o logro de que foram vítimas. Mas Lula e sua turma seguiram em frente, porque seu objetivo, após chegar ao poder, é nunca mais sair dele. E daí, entre falcatruas, o mensalão.
Como já disse aqui, o mensalão foi o modo encontrado por Lula de conseguir o apoio dos pequenos partidos sem lhes dar ministérios e empresas estatais, que reservou, na quase totalidade, para o próprio PT, onde empregou seus partidários aos milhares e usou das verbas como quis. Nesse projeto, estava implícito o uso do dinheiro público em função dos interesses do governo.
Logo ficou evidente que partido era aquele e quais seus reais objetivos. Já a vitória de Lula à Presidência da República deveu-se à mudança drástica em sua pregação de candidato. No governo, abriu os cofres do BNDES a grandes empresas privadas, ao mesmo tempo que se apropriava dos programas sociais, criados por Fernando Henrique.
Conforme afirmou recentemente um economista, o dinheiro dado aos empresários foi muitas vezes superior ao destinado ao Bolsa Família, isso sem contar que os empréstimos eram feitos a juros abaixo do mercado, o que permitiu aos empresários aplicar o capital que não investiram em suas empresas e assim ampliá-lo, graças aos altos juros do mercado financeiro.
Tudo isso mostra que do PT surgido em 1980 não restou quase nada. O mensalão não foi inventado por ninguém e, sim, atestado e comprovado por documentos, depoimentos e investigações, levados a cabo pelos órgãos policiais e judiciais. O julgamento desse processo foi feito publicamente, transmitido pela televisão. Cada ministro manifestou sua opinião, suas concordâncias e discordâncias, do que resultou a condenação da maioria dos acusados.
Entende-se que, para um partido, que está no poder há 11 anos e nele pretende se perpetuar, tais condenações pegam muito mal, já que os condenados são gente de sua cúpula. Como explicar, num ano de eleições, que altas figuras do partido tenham sido condenadas pelo Supremo Tribunal Federal?
Como explicar que Henrique Pizzolato, nomeado por Lula diretor do Banco do Brasil, tenha falsificado o passaporte do irmão morto para fugir do país? Ele era membro destacado do PT, tendo sido até candidato do partido ao governo do Paraná.
Impossível explicar aos eleitores tanto vexame e tantas falcatruas. E, sobretudo, impossível negá-las se foram comprovadas e punidas pela mais alta corte de Justiça do país.
Não há outra saída para os petistas senão afirmar que se trata de uma farsa, montada pelos ministros do Supremo. Mas como admitir isso se, dos 11 ministros, oito foram nomeados por Lula e Dilma? O PT só engana mesmo quem quer ser enganado.
E o valerioduto mineiro? É esperar para ver.
Ferreira Gullar, poeta, ensaísta e crítico de arte
Fonte: Folha Ilustrada
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